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A Rádio que Paulo Freire Sonhou

Da Rádio Universidade à Rádio Paulo Freire, seis décadas do sonho de uma comunicação democrática

Rádio Paulo Freire comemorou, ao longo de 2023, seus 60 anos. Ela foi inaugurada em 29 de setembro de 1963 como parte do sonho do educador Paulo Freire de transformar o país pela educação, comunicação e cultura. 

Sua história de seis décadas confunde-se com a história do Brasil no período que antecede o Golpe Militar de 64, a partir do qual o seu projeto de uma comunicação emancipatória foi interrompido. Já foi chamada de Rádio Universidade, Universitária AM e, hoje, tem o nome do seu criador. A Rádio Paulo Freire é agora a rádio-escola da UFPE e segue comprometida com o mesmo sonho. 

Para comemorar e recuperar as seis décadas de uma história que foi deliberadamente silenciada nos anos de Ditadura Militar foi realizado, ao longo de 2023 e com desdobramentos em 2024, o projeto de pesquisa e extensão “A rádio que Paulo Freire sonhou”. 

Dele resultou, entre outras iniciativas, a realização de uma exposição itinerante e um documentário com o mesmo nome. Foram realizados ainda um radiodocumentário e programas especiais de rádio, além de eventos (seminários, rodas de conversa, aulas abertas). Todas estas iniciativas propiciaram uma troca de saberes interdisciplinares e interinstitucionais em torno do pensamento freireano e das contribuições que ele pode dar ainda hoje a todos que atuam para construir um país menos desigual e mais democrático.

Chamada então de Rádio Universidade, a emissora fazia parte do Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife, atual UFPE. Foi no SEC que Paulo Freire consolidou o que ficaria depois internacionalmente conhecido como o seu método de alfabetização de adultos. Em sintonia com a proposta educacional de Paulo Freire, a Rádio Universidade era um importante braço da promoção da cultura, dos saberes populares e da campanha de alfabetização de adultos pautada pela leitura crítica da realidade. Não espanta que tudo isso tenha sido mesmo considerado “perigosamente subversivo” quando, no Brasil, já se começava a sentir o cheiro de Golpe no ar. No momento em que esses mesmos gritos e ameaças voltaram a nos assombrar é mais do que hora de aprender com a história e a experiência de uma emissora cujo slogan era “uma rádio a serviço da democratização da cultura”.

Exposição

A exposição “A Rádio que Paulo Freire sonhou”, inaugurada em 25 de setembro de 2023, no hall do Centro de Artes e Comunicação (CAC) apresenta momentos marcantes da Rádio Paulo Freire, desde a sua fundação, passando pelo Golpe de 1964 e chegando até o ano de 2018, quando foi transformada em rádio-escola com o nome do seu fundador. 

Em 16 painéis, a exposição apresenta o contexto histórico e acadêmico da inauguração, o embate nos jornais da época em torno do projeto freireano de comunicação, a inovadora grade de programação da emissora, bem como a sua modificação por força da ditadura militar até a sua refundação como rádio-escola da Universidade Federal de Pernambuco em regime de cogestão do Departamento de Comunicação Social com o Núcleo de Televisão e Rádios Universitárias (NTVRU).  A exposição é o resultado de uma extensa pesquisa documental em arquivos públicos e digitais nos quais foram localizados fotos, documentos e mais de 300 notícias de jornais, entre 1958 e 1965. Mais que a história de uma rádio, o que a exposição conta é também a história do País. Clique na imagem ao lado para visualizar os painéis da exposição.

Interação – “Vamos sonhar juntos com uma rádio melhor?”

“Vamos sonhar juntos com uma rádio melhor?” É esta a pergunta-convite feita aos visitantes da exposição “A rádio que Paulo Freire sonhou” por meio de uma peça interativa associada à mostra. A proposta é que, após conhecer a proposta da emissora na visita à exposição, o público envie pequenos depoimentos (áudios de um a três minutos) compartilhando suas expectativas em relação à programação de uma rádio comprometida com o interesse coletivo, como a que Paulo Freire sonhou. Os visitantes podem participar gravando suas respostas pelo celular e enviando para o Whatsapp da emissora por meio do QRCode inserido na peça interativa. Os áudios selecionados são veiculados como interprogramas na grade da Rádio Paulo Freire e ficam disponíveis aqui.

Rádio documentário – Os 60 anos da Rádio Paulo Freire

Dividido em cinco episódios, o rádio documentário “Os 60 anos da Rádio Paulo Freire” foi veiculado, de segunda-feira à sexta, às 11h da manhã, na Rádio Paulo Freire AM 820 e Universitária FM 99.9, entre 02 e 06 de outubro de 2023. A série conta a história da emissora em ordem cronológica, a partir de recriações de notícias da época (radiodrama), de entrevistas e de depoimentos, inclusive de personagens que trabalharam na antiga Rádio Universidade. Os episódios tratam desde o contexto político e cultural no momento de criação da emissora, passando pelas polêmicas em torno da sua atuação no período que antecedeu o Golpe de 1964, até o seu projeto editorial e pedagógico como Rádio Paulo Freire. O rádio documentário dá destaque especial às disputas em torno do SEC e da construção de uma universidade mais popular, que estava na base de sua atuação. Confira os episódios clicando nos cards abaixo:

Programas de rádio especiais
Programa 820 no Ar - Especial 60 anos

O programa foi veiculado na sexta-feira, dia 29 de setembro de 2013, mesmo dia da inauguração da Rádio Universidade, das 09h30 às 11h, ao vivo direto do hall do CAC, contando com apresentações musicais, teatrais e entrevistas. O programa foi apresentado pelos estudantes Willian Araujo, de Jornalismo, e Kennedy Lacerda, de Rádio, TV e Internet, com direção das professoras do Departamento de Comunicação Social e gestoras da Rádio Paulo Freire, Paula Reis e Yvana Fechine. O Especial foi transmitido simultaneamente pelo canal da UFPE no YouTube pela Universitária FM 99.9 e pelo streaming da Rádio Paulo Freire, com apoio técnico-operacional do Laboratório de Imagem e Som (LIS) e da Coordenação de Audiovisual da Superintendência de Comunicação da UFPE.

Foram entrevistados os professores da UFPE: Yvana Fechine; Flávio Weinstein, de História; Luís Reis, de Teatro; Eliete Santiago, de Pedagogia; Kalyna Aguiar, de Artes Visuais; estagiários; Chico Lacerda, vice-diretor do CAC; entre outros. O programa contou ainda com os estudantes de Teatro da UFPE para apresentar o esquete de comédia ‘Ida ao teatro’, com os atores João Fernando e Vivian Borchardt, sob direção de Ruan Henrique, Luan Lucas Leite e Diniz Luz, com a supervisão da professora Vika Schabbach. A música ao vivo ficou por conta dos estudantes de Música da UFPE Aryma Nascimento (voz), Oscar Moura (voz e piano) Ruti Freitas (violão), com a supervisão do professor Sérgio Godoy. Também houve apresentação do espetáculo ‘Tropicália’ com os também estudantes de Música da UFPE Aleff Nascimento (canto) e Eduardo Andrade Cavalcanti (violão), com a supervisão do professor Luiz Kléber.

Este programa ao vivo do hall do CAC teve um significado mesmo especial. Em 1963, os jornais já anunciavam a construção dos estúdios da Rádio Universidade na Escola de Belas Artes, embrião do CAC. Seis décadas depois, este sonho foi simbolicamente retomado com esta transmissão. Em 07 de novembro de 2023, a Rádio Paulo Freire deixou o prédio atrás da Reitoria, onde se instalou em 2018, e mudou-se para o CAC, onde funciona atualmente. Assista o programa no link ao lado.

Programa Fora da Curva

Com a pergunta tema “O que a história de uma rádio diz do Brasil? Especial 60 anos Rádio Paulo Freire” esta edição especial do Fora da Curva foi transmitida ao vivo do estúdio da emissora, localizado então em pequeno prédio atrás da Reitoria da UFPE, com apresentação da professora e coordenadora de programação da emissora, Ana Veloso. No programa, foram entrevistados o professor emérito da UFPE, Flávio Brayner, e o professor do IFPE e pesquisador da Cátedra Paulo Freire, Dimas Veras, que, a partir da história da Rádio, discutiram desde importância do projeto freiriano de educação popular, que andava de mãos dadas com comunicação, à importância da memória na defesa da democracia.

Vídeo documentário

Em seus 43 minutos de duração, o documentário “A rádio que Paulo Freire sonhou” mostra o quanto a história da emissora é indissociável, de um lado, do importante projeto de educação popular, idealizado por Paulo Freire e, de outro, da efervescência cultural e intelectual do Recife no final dos anos 50 e início dos anos 60. Isso porque em torno de si e do SEC, Paulo Freire conseguiu agregar uma geração de jovens intelectuais progressistas, que se destacariam depois como literatos, designers, críticos e professores, entre eles, João Alexandre Barbosa, Sebastião Uchoa Leite, Jomard Muniz de Britto, Luiz Costa Lima e Marcius Cortez. Merece destaque o primeiro diretor da Rádio Universidade, José Laurenio de Melo, que foi um dos fundadores do notório Teatro de Estudantes de Pernambuco, ao lado de Hermilo Borba Filho, e do famoso O Gráfico Amador, junto com Aloísio Magalhães.

O documentário mostra, entre outras coisas, como a emissora foi alvo da “histeria anticomunista” nos anos 60, detalhando, a partir de depoimentos e documentos, a perseguição sofrida por Paulo Freire e seus colaboradores por setores políticos, segmentos sociais e intelectuais conservadores, como o sociólogo Gilberto Freyre. Detentor de grande prestígio na época, Freyre chegou a publicar artigos nos jornais da época que reforçavam a “campanha” da coluna Informe Econômico, do Diario de Pernambuco, contra os “comunistas” do SEC e da Rádio Universidade.

Baseado também em uma extensa pesquisa documental, depoimentos de pesquisadores e de ex-colaboradores da emissora, inclusive alguns da época de sua fundação, o documentário mostra o importante papel que a emissora desempenhou nos debates públicos em torno da realidade brasileira naquele momento decisivo da história política brasileira. Considerada como “subversiva”, a Rádio chegou a ser invadida pelos militares quando veio o Golpe de 64, passando depois a ter sua programação reorientada pelos interesses do governo ditatorial que se instalou no Brasil.

O documentário foi exibido pela primeira vez na TV Universitária em 29 de setembro deste ano, mesmo dia em que a emissora havia entrado no ar, sendo depois apresentando na Mostra de Filmes Memória em Movimento que integrou a programação da 13ª Semana Fluminense do Patrimônio – SFP, entre 11 e 14 de dezembro de 2023, na Sala 2 do Estação Net Rio, na cidade do Rio de Janeiro. “A rádio que Paulo Freire sonhou” foi produzido pelas equipes do Laboratório de Imagem e Som (LIS) e da Rádio Paulo Freire. O documentário traz depoimentos de ex-colaboradores do SEC e da Rádio Universidade, como Luiz Costa Lima, Marcius Cortez, Hugo Martins, Maria de Jesus Baccarelli e Paulo Figueiredo. Participam ainda, entre outros, os professores e pesquisadores Dimas Veras, Eliete Santiago, José Batista Neto e Flávio Weinstein. A produção também teve o apoio da TVU, do Memorial Denis Bernardes, da Biblioteca Central e da Cátedra Paulo Freire.

Pesquisa

A base de todos os produtos desenvolvidos como parte do projeto “A rádio que Paulo Freire sonhou” foi uma pesquisa documental realizada em acervos da UFPE – Biblioteca Central e memorial Denis Bernardes –, mas, sobretudo, no Arquivo Público Estadual e na Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Também foram feitas consultas em relatórios da Comissão da Verdade e em arquivos pessoais de familiares de ex-colaboradores da Rádio Universidade, a exemplo da família de José Laurenio de Melo, primeiro diretor da emissora.

Nos arquivos, foram consultados jornais entre os anos de 1958 e 1965. No acervo físico do Arquivo Público Estadual, a busca foi orientada por referências encontradas em jornais e outras já indicadas na pesquisa bibliográfica realizada previamente, com destaque para os trabalhos dos historiadores Flávio Weinstein Teixeira e Dimas Brasileiro Veras, este último integrante da Cátedra Paulo Freire da UFPE. No acervo digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, a busca foi orientada por palavras chaves, a saber: “Rádio Univerdade”, “Serviço de Extensão Cultural” e “SEC”. A coordenação da pesquisa foi de Roberta Lira, com supervisão de Yvana Fechine, e uma equipe formada por Gus Cabrera, Kennedy Lacerda e Willian Araujo.

Foram compiladas, registradas e sistematizadas mais de 300 notícias que deram origem a um banco de dados cujo acesso disponibilizamos no link ao lado para outros pesquisadores. A organização deste banco de dados é, por si só, outro importante produto de memória.

Créditos

Coordenação geral: Yvana Fechine | Vice- coordenação: Paula Reis | Equipe de pesquisa, produção e execução: Ana Veloso, Catarina Apolônio, Cícero Kennedy Lacerda, Érika Simona, Gustavo Cabrera, Igor Cabral, Isabel Bahé, Paula Reis, William Araujo, Yvana Fechine | Apoio: Laboratório de Imagem e Som – LIS, Memorial Denis Bernardes, Cátedra Paulo Freire – UFPE, Diretoria de Comunicação (SUPERCOM), TV Universitária e Universitária FM.

Principais referências:

CORTEZ, Marcius. O Golpe na Alma. São Paulo: Pé-de-chinelo Editorial, 2008.             

VERAS, Dimas Brasileiro. Sociabilidades letradas no Recife: a Revista de Estudos Universitários (1962-1964). Recife:  Ed. UFPE, 2012.

TEIXEIRA, Flávio Weinstein. O movimento e a linha: presença do Teatro de Estudantes de Pernambuco e d’O Gráfico Amador no Recife (1946-1964), 2a.ed., Recife: Ed. UFPE, 2016.