NOTÍCIA | O exercício naval de 2024 entre Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão: reações à China e à República Popular Democrática da Coreia a partir de Camp David

NOTÍCIA | O exercício naval de 2024 entre Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão: reações à China e à República Popular Democrática da Coreia a partir de Camp David

Autoras: Beatriz Fernandes Lira Cavalcante
Larissa Mondego Furtado

Imagem: © South Korean Navy 

Em abril de 2024, a Coreia do Sul, em conjunto com o Japão e os Estados Unidos, realizou um exercício naval ao sul da Ilha de Jeju, em águas internacionais. Contando com um porta-aviões nuclear dos EUA, navios de guerra e destruidores pertencentes tanto ao Japão, quanto à Coreia do Sul, o exercício teve a duração de dois dias, sendo o mais recente desde a cúpula em Camp David em 2023 (The Korea Times, 2024; Shin, 2024). Entretanto, por que devemos olhar para os exercícios navais mais recentes e, principalmente, qual a conjuntura em que ele ocorre? 

Para que seja possível entender as movimentações militares entre os Estados Unidos, a Coreia do Sul e o Japão é necessário ressaltar que esse acordo trilateral possui múltiplos interesses, sendo um deles demonstrar suas forças bélicas a dois países específicos: a China e a República Popular Democrática da Coreia (RPDC).   

No último ano, as tensões no Pacífico aumentaram consideravelmente por uma série de fatores que se exemplificam nas aproximações entre EUA e Japão, que possuem pretensões de acordos com a OTAN, e nas advertências chinesas de desconfiança regional perante as escolhas japonesas. O acordo trilateral parte do marco recente do encontro na cúpula de Camp David – um retiro dos presidentes norte-americanos, onde historicamente os principais encontros diplomáticos são sediados (Perrin, 2023) –, que também é parte de uma estratégia política de desarticulação regional à medida que os três Estados visam fazer frente à ascensão chinesa em seu poderio bélico e às movimentações de arsenal nuclear da RPDC.

Na ocasião, o presidente Biden recebeu o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para o anúncio de uma cooperação militar e econômica entre os três (Perrin, 2023). Para essa coordenação estratégica, os três Estados concordaram em expandir a sua segurança e cooperação econômica, realizar exercícios militares anuais, compartilhar em tempo real informações sobre o lançamento de mísseis pertencentes a RPDC e criar uma linha direta para a comunicação de crises (Baker, 2023; Shin, 2024). Yoon, reagindo ao resultado da cúpula, declarou que a assinatura do entendimento seria lembrada como um dia histórico (Baker, 2023).  

A China, por outro lado, demonstrou irritação com o comportamento estadunidense e a declaração de “comportamento agressivo” de Biden sobre as políticas chinesas no Mar do Sul da China já em agosto de 2023 e denunciou a cúpula. Washington, que tentou apresentar uma frente regional unida contra as atividades militares chinesas em Taiwan, fica alerta com a aproximação entre China e a RPDC – marcada pelo envio de altos funcionários para participar dos desfiles militares em Pyongyang em julho – pois ela gera um conflito de interesses na política de poder imperial norte-americana ao passo em que aumenta a necessidade de expansão do programa militar do Japão. 

Já em 2024, o último exercício militar trilateral teve como foco reforçar as capacidades de resposta dos três Estados em um cenário onde a RPDC aumenta suas ameaças, de acordo com o exército norte-americano (The Korea Times, 2024). O exercício e a aproximação entre os atores ocorrem em meio a um cenário onde o Parlamento norte-coreano votou para abolir todos os acordos de cooperação econômica com a Coreia do Sul ao mesmo tempo em que estimula os seus programas de desenvolvimento nuclear (AlJazeera, 2024). De forma geral, o exercício é visto como uma oportunidade para que os países consigam trabalhar juntos e se prepararem para qualquer crise que possa ocorrer na região, conforme Christopher Alexander, comandante do porta-aviões estadunidense USS Theodore Roosevelt (The Korea Times, 2024).   

O cercamento gradual da China pela OTAN e o medo constante dos EUA com o aumento dos arsenais chineses e norte-coreanos trata uma perspectiva geopolítica delicada, pois China e RPDC são da periferia internacional. Países do Sul Global. Inimigos criados do Norte, segundo Jean-Cristopher Rufin. Apesar de ser o Estado com maiores gastos em Defesa, os Estados Unidos criaram a imagem de um “pacifismo subserviente” e a estenderam sobre os Estados do Sul Global, os quais deveriam abandonar seu Direito Inalienável de Defesa em prol da paz mundial, enquanto eles próprios aumentavam seu exército (MONIZ BANDEIRA, 2010). A não submissão chinesa e norte-coreana perante essa imagem, combinado ao aumento de suas defesas, cria o imaginário de “autoritarismo” programado nos países do Ocidente. Assim, o aumento da presença militar estadunidense no Mar do Sul da China no início de abril, com Japão, Austrália e Filipinas, aumenta ainda mais as tensões regionais e o medo filipino de ser “a Ucrânia da Ásia” (RAMOS, 2024). 

Kim Jong Un, ao analisar a aproximação recente e contínua entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, considerou os exercícios militares e as manobras de guerra como provocações, destacando como a situação internacional e regional é instável e incerta em torno de seu país, sendo necessário estar preparado (Reuters, 2024). 

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Referências: 

 

ALJAZEERA. North Korea ends all economic cooperation with South as ties hit new low. AlJazeera, 08 fev. 2024. Disponível em https://www.aljazeera.com/news/2024/2/8/north-korea-ends-all-economic-cooperation-with-south-as-ties-hit-new-low. Acesso em 02 maio 2024.  

 

BAKER, Peter. Biden realiza cúpula inédita com Japão e Coreia do Sul em frente unida contra China em ‘mini-Otan‘: ‘Dia histórico’. The New York Times; O Globo, 18 ago. 2023. Disponível em https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/08/18/biden-realiza-cupula-inedita-com-japao-e-coreia-do-sul-em-frente-unida-contra-china-dia-historico.ghtml. Acesso em 02 maio 2024.  

 

MENDES, Fábio. OTAN estende seus tentáculos para o Pacífico. CNN. 5 de junho de 2023. 

 

PERRIN, Fernandes. Biden recebe líderes de Japão e Coreia do Sul em encontro histórico à sombra da China. Folha de São Paulo, 17 ago. 2023. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/08/biden-recebe-lideres-de-japao-e-coreia-do-sul-em-encontro-historico-a-sombra-da-china.shtml. Acesso em 02 maio 2024.  

 

RAMOS, Mauro. Não queremos ser a Ucrânia na Ásia. Brasil de Fato, 21 de abril de 2024. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2024/04/21/nao-queremos-ser-a-ucrania-da-asia-diz-analista-filipina-sobre-crescentes-tensoes-no-mar-do-sul-da-china. Acesso em 5 de maio. 

 

REUTERS. North Korea leader Kim Jong Un says now is time to be ready for war, KCNA says. Reuters, 11 abr. 2024. Disponível em https://www.reuters.com/world/asia-pacific/north-korea-leader-kim-jong-un-says-now-is-time-be-ready-war-kcna-says-2024-04-10/. Acesso em 02 maio 2024.  

 

RUFIN, Jean-Cristopher. O império e os novos bárbaros, 1991. Acesso em 5 de maio de 2024. 

 

SHIN, Hyonhee. South Korea, Japan, US hold naval drills amid N.Korea threats. Reuters, 12 abr. 2024. Disponível em https://www.reuters.com/world/asia-pacific/south-korea-japan-us-hold-naval-drills-amid-nkorea-threats-2024-04-12/. Acesso em 02 maio 2024. 

 

THE KOREA TIMES. S. Korea, US, Japan hold trilateral drills involving aircraft carrier. The Korea Times, 12 abr. 2024. Disponível em https://m.koreatimes.co.kr/pages/article.asp?newsIdx=372560. Acesso em 02 maio 2024. 

 

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