NOTÍCIA | BBC lança documentário sobre o caso Burning Sun, o maior escândalo sexual da indústria do K-pop
Redação e comentário crítico: Beatriz Amaro
AVISO DE GATILHO: O presente texto trata de temas sensíveis envolvendo assédio, abusos e violências sexuais, por isso é indicado cautela ao avançar na leitura.
“Na Coreia do Sul, as estrelas do K-Pop têm fama, fortuna e milhões de fãs do sexo feminino. Mas alguns levam vidas duplas”: assim começa o documentário original da BBC World Service, lançado em 18 de maio de 2024 em seu canal no YouTube. Cinco anos após a eclosão do maior escândalo sexual do K-pop, a nova produção investigativa da emissora, que faz parte da série BBC Eye, narra em detalhes como duas corajosas jornalistas e uma importante idol (como são conhecidos os artistas e celebridades do K-pop) da indústria reuniram provas para denunciar os crimes de violência sexual envolvendo celebridades sul-coreanas.
O documentário, intitulado “Burning Sun: Exposing the Secret K-pop Chat Groups”, parte do dia 23 de setembro de 2016, data em que o cantor Jung Joon-young foi acusado de fazer fotos e vídeos explícitos de sua namorada sem consentimento, um crime conhecido como molka na Coreia do Sul. A jornalista Park Hyo-sil foi a primeira repórter a divulgar o caso.
Apesar de passar ileso pela polícia na época e contar com a opinião pública a seu favor, Jung Joon-young retornou aos noticiários 3 anos depois, quando dados de seu smartphone chegaram às mãos da também jornalista Kang Kyung-yoon. Devido a esse vazamento, Kang descobriu que a primeira acusação de molka ocorrida em 2016 estava relacionada a uma série de crimes contra mulheres realizados em conjunto com outros dois conhecidos nomes da indústria do K-pop: Choi Jong-hun e Seungri, ex-integrante do aclamado grupo BIGBANG.
Conforme expõe o documentário, os três idols mantinham um grupo de bate-papo secreto no popular aplicativo de mensagens KakaoTalk com outros amigos do sexo masculino, onde compartilhavam e se vangloriavam por imagens explícitas de mulheres inconscientes sendo estupradas, inclusive de forma coletiva, pelos próprios membros do grupo.
Seungri ainda foi responsável por administrar o maior clube noturno do distrito de Ganganam (Seul) na época, o Burning Sun, cujos funcionários tinham como uma de suas funções tirar fotos secretas de mulheres bêbadas para “recompensar” os consumidores VIPs. As chamadas “drogas para estupro” também eram amplamente utilizadas na boate.
Um fato importante é que as jornalistas do caso também contaram com a ajuda voluntária da artista Goo Ha-ra, que já havia sido uma vítima de molka, para persuadir Choi a fornecer mais informações sobre os crimes. Todos os detalhes são percorridos a partir do olhar das duas repórteres, cuja coragem de expor celebridades aclamadas deixou graves consequências em suas vidas pessoais. Assim como para Goo Ha-ra, era comum para elas receberem mensagens de ódio e até ameaças de morte vindas, muitas vezes, de fãs dos idols.
Mesmo tratando de um escândalo já conhecido entre o público coreano e os consumidores internacionais de K-pop, “Burning Sun: Exposing the Secret K-pop Chat Groups” faz um importante papel ao denunciar de forma contundente a impunidade dos criminosos, que, por diversas vezes, foram acobertados pela polícia devido ao seu dinheiro e a sua fama.
Do mesmo modo, a justiça sul-coreana lidou com o caso de maneira controversa, atribuindo 6 anos de prisão para Jung, 2 anos e meio para Choi e 1 ano e meio para Seungri, penas evidentemente incompatíveis com seus crimes de estupro coletivo, captura e distribuição de imagens sexuais sem consentimento e incitação à violência. Todos os culpados já se encontram em liberdade.
Tanto os crimes quanto a “quase isenção” dos agressores refletem diretamente uma estrutura social milenar baseada no patriarcado e na misoginia, que também são esqueletos das sociedades ocidentais. A Coreia do Sul, no entanto, parece sofrer de forma ainda mais visível (ou invisível) com a objetificação sexual das mulheres, que diariamente é normalizada e até aplaudida por boa parte do público.
Em tom de denúncia, o documentário com uma hora de duração termina de forma desesperançosa, mas, apesar de pungente, é uma produção que abre portas para o debate de questões que notadamente ainda urgem ser encaradas com mais seriedade não só na República da Coreia como no restante do mundo: até quando os corpos femininos serão violados para o bel prazer dos homens? E até quando haverá anistia?
“Burning Sun: Exposing the Secret K-pop Chat Groups” está disponível no BBC iPlayer no Reino Unido e conta com uma versão coreana no canal BBC News Korean no YouTube. Internacionalmente, é possível assistí-lo no canal BBC World Service no YouTube, já com legendas em português. Confira:
Burning Sun: Exposing the secret K-pop chat groups – BBC World Service Documentaries
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Referências
BURNING Sun: Exposing the secret K-pop chat groups – BBC World Service Documentaries. Direção e produção de Kai Lawrence. Reino Unido: BBC World Service, 2024. 1 vídeo (59 min.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9EEp1q_iMYc.
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Sobre a autora
Beatriz Amaro
Graduanda em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Curadoria de Estudos Coreanos (CEÁSIA/CEA/UFPE), é uma pesquisadora em formação e fã por vocação: está 100% do tempo tentando equilibrar essas duas skins.
E-mail: beatrizamaro.gv@gmail.com
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