Artigo de opinião | Perspectivas em Mudança: O Impacto das Decisões da Suprema Corte na Garantia dos Direitos Fundamentais no Japão
Redação e opinião crítica por: Denilson Menezes Carvalho
Revisão especializada por: Paula Michima, Angélica Alencar, Maurício Luiz
Borges Ramos Dias
Imagem: Wikimedia Commons
Como tratado no artigo de opinião sobre o desenvolvimento inicial do papel do Poder Judiciário na concretização dos direitos humanos no Japão, previamente publicado na CEÁSIA, foi apresentado como os juízes nipônicos vem desempenhando um papel fundamental para a efetivação de direitos humanos e fundamentais devido à omissão da Dieta na sua atribuição legislativa acerca desses temas (Carvalho, 2023a).
Após anos sem exercer o seu poder de controle de constitucionalidade, em 2008, a Suprema Corte inspirada pelo movimento progressista das instâncias inferiores, declarou a inconstitucionalidade de três dispositivos legais: o art. 3, (1) da Lei da Nacionalidade em 2008, os artigos 900 e 733, ambos do Código Civil, respectivamente, em 2013 e 2015. Tem–se como objetivo deste artigo de opinião apresentar reflexões sobre esses três casos que configuram uma guinada no posicionamento jurisprudencial da corte.
Em 4 de junho de 2008, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 3, (1), da Lei da Nacionalidade (4), por entender que o dispositivo conferia um tratamento discriminatório às crianças para que possam obter a nacionalidade japonesa violando o art. 14, (1), da Constituição (Japão, 2008).
Dessa forma, o julgamento enfatizou a importância da nacionalidade como status essencial para a proteção dos direitos fundamentais e a sua importância para que a criança pudesse continuar a residir no Japão junto ao seu pai, o direito de votar, poder se candidatar a cargos públicos, usufruir do sistema de segurança social e etc. Além disso, o tribunal reconheceu que o casamento dos pais do infante é um assunto sobre o qual a bebê não detém nenhum controle e, portanto, não pode ser penalizado por isso (King, 2009).
À luz dessas considerações, a Suprema Corte, por maioria dos votos, declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 3, (1), da Lei de Nacionalidade em relação ao requisito específico do casamento para a concessão de nacionalidade à criança após o seu nascimento, haja vista a violação do art. 14, (1) da Constituição por submeter crianças a uma situação de discriminação, apenas com base no momento do reconhecimento por parte do pai (Japão, 2008).
O segundo caso ocorreu em 4 de setembro de 2013, quando a Suprema Corte do Japão entendeu que a diferenciação dos quinhões hereditários entre os herdeiros prevista no art. 900, (IV) do Código Civil (4) violava o artigo 14, (1), da Constituição. Assim, a Suprema Corte do Japão declarou que o sistema de sucessão japonês, que discriminava a criança ilegítima concebida fora do casamento, ao estabelecer um quinhão hereditário menor do que o concebido dentro do casamento, era discriminatório e inconstitucional (Japão, 2013).
Já no segundo processo, a Suprema Corte rejeitou uma discriminação histórica entre filhos legítimos e ilegítimos no que diz respeito à herança. Essa decisão não apenas reconheceu a igualdade de direitos desses filhos, como também sinalizou a importância de uma sociedade que não baseia os privilégios e direitos em linhagens familiares tradicionais. Por fim, no terceiro caso, a Corte enfatizou a necessidade de considerar cuidadosamente as implicações de leis que afetam desproporcionalmente um gênero em detrimento do outro. Ao modificar a restrição a cem dias para constituição de um novo casamento após, a Suprema Corte enfatizou a obrigação do Estado de proteger a dignidade individual das mulheres.
Além disso, essas decisões exemplificam a influência do movimento progressista dos magistrados de primeira instância sobre a Suprema Corte, destacando como a jurisprudência evoluiu em resposta às mudanças na sociedade e nas expectativas em relação aos direitos humanos e à igualdade. No entanto, é importante observar que essas transformações na jurisprudência não ocorreram sem resistência e que, em alguns casos, a Suprema Corte havia decidido de forma diferente no passado. Isso destaca o dinamismo do sistema judicial e a importância da interpretação da Constituição em um contexto em constante evolução.
Em última análise, as decisões da Suprema Corte do Japão nestes casos representam um avanço significativo na promoção dos direitos humanos e na igualdade perante a lei nas terras nipônicas. Elas refletem o compromisso do Poder Judiciário em corrigir injustiças, proteger a dignidade individual e garantir que a Constituição japonesa seja respeitada e aplicada de forma justa. Entretanto, essas sentenças também servem como lembretes de que a luta pela igualdade e pelos direitos humanos é contínua e requer a vigilância constante de todas as instituições e cidadãos comprometidos com esses valores fundamentais.
Legendas:
1 Artigo 14. Todas as pessoas são iguais perante a lei e não deverá acontecer discriminação nas relações políticas, econômicas e sociais por causa de raça, credo, gênero, posição social ou origem familiar. Os nobres e a nobreza não serão reconhecidos. Nenhum privilégio, condecoração honorária ou distinção deverá ser entregue aos indivíduos que possuam esse status durante suas vidas. (JAPÃO, 1947).
2 Article 3(1) 第三条父又は母が認知した子で十八歳未満のもの(日本国民であつた者を除く。) は、認知をした父又は母が子の出生の時に日本国民であつた場合において、その父又は母が現 に日本国民であるとき、又はその死亡の時に日本国民であつたときは、法務大臣に届け出るこ とによつて、日本の国籍を取得することができる。(Se uma criança reconhecida pelo pai ou pela mãe tiver menos de dezoito anos de idade (excluindo uma criança que já foi cidadã japonesa) e o pai ou mãe que reconhece era cidadão japonês no momento do nascimento da criança, a cidadania japonesa pode ser adquirido por notificação ao Ministro da Justiça se o pai ou a mãe for atualmente cidadão japonês ou o era no momento da morte.)
(2)前項の規定による届出をした者は、その届出の時に日本の国籍を取得する。(A pessoa que fizer a notificação nos termos do parágrafo anterior adquirirá a cidadania japonesa no momento da notificação). (JAPÃO, 1950).
3 Artigo 10. As condições necessárias para ser um cidadão japonês deverão ser determinadas por lei (Japão, 1947). 4 Article 900第九百条同順位の相続人が数人あるときは、その相続分は、次の各号の定めるところによる。(Havendo dois ou mais herdeiros do mesmo lugar na linha sucessória, as suas quotas–partes na herança são as prescritas nos números seguintes): (i)一子及び配偶者が相続人であるときは、子の相続分及び配偶者の相続分は、各二分の一 す る。(se um filho ou filhos e um cônjuge forem os herdeiros, a parte do filho ou dos filhos na herança será a metade e a parte do cônjuge na herança será a metade);
(iii)三配偶者及び兄弟姉妹が相続人であるときは、配偶者の相続分は、四分の三とし、兄弟姉妹 の相続分は、四分の一とする。 (se um cônjuge e um irmão ou irmãos forem herdeiros, a parte do cônjuge nos bens é de três quartos e a parte dos irmãos nos bens é de um quarto;)
(iv)四子、直系尊属又は兄弟姉妹が数人あるときは、各自の相続分は、相等しいものとする。た だし、父母の一方のみを同じくする兄弟姉妹の相続分は、父母の双方を同じくする兄弟姉妹の 相続分の二分の一とする。(se houver dois ou mais filhos, ascendentes diretos ou irmãos, cada parte da herança será igual; desde que, no entanto, a parte de um irmão que tenha apenas um dos pais em comum com o falecido seja metade do parte de um irmão que tem ambos os pais em comum com o falecido). (JAPÃO, 1886).
5 Article 733(1) 第七百三十三条女は、前婚の解消又は取消しの日から六箇月を経過した後でなけ れば、再婚をすることができない。 (Uma mulher não pode casar novamente antes de terem decorrido seis meses desde o dia da dissolução ou cancelamento com efeitos prospectivos do seu casamento anterior.)
2女が前婚の解消又は取消しの前から懐胎していた場合には、その出産の日 ら、前項の規定 を適用しない。(Se a mulher conceber um filho antes da dissolução ou anulação do casamento anterior, o disposto no número anterior não se aplica a partir do dia do parto.) (JAPÃO, 1886).
REFERÊNCIAS
CARVALHO. Denilson Menezes. Uma Análise do Papel do Poder Judiciário na Concretização dos Direitos Humanos no Japão: Progressos e Desafios. Coordenadoria de Estudos da Ásia. Recife, p.1–6, 2023a.
HASEBE, Yasuo. Cases of the Supreme Court of Japan. 2015. Disponível em: https://blog–iacl–aidc.org/new–blog/2018/5/27/cases–of–the– supreme–court–of–japan. Acesso em: 15 set. 2023.
HIRONARI, Momioka. Awakening from Inertia?: a case comment of the latest supreme court decision on equality. Boletim da Universidade de Hokkaido, [S.L.], v. 68, n. 1, p. 29–37, ago. 2017. 北海道教育大学. http://dx.doi.org/10.32150/00006595.
JAPÃO. Constituição (1886). Lei nº 89, de 27 de abril de 1886. Código Civil. Tóquio, 27 abr. 1886. Disponível em: https://www.japaneselawtranslation.go.jp/en/laws/view/4275. Acesso em: 23 out.
2023.
JAPÃO. Constituição (1947), (Kenpō). Tóquio, capítulo III, art. 14. Disponível em: https://www.br.emb–japan.go.jp/cultura/constituicao.html. Acesso em: 25 nov. 2022
JAPÃO. Lei nº 147, de 04 de maio de 1950. Lei da Nacionalidade. Tóquio, 04 maio 1950. Disponível em: https://www.japaneselawtranslation.go.jp/en/laws/view/4366. Acesso em: 23 out.
2023.
JAPÃO. Suprema Corte do Japão (Saikōsaibansho). 62 Saibansho Minjihanreiswhū nº 1376 [MINSHŪ]. Tóquio, 04 jun. 2008.
JAPÃO. Suprema Corte do Japão (Saikōsaibansho). 67 Saibansho Minjihanreiswhū nº 1320 [MINSHŪ]. Tóquio, 04 set. 2013
JAPÃO. Suprema Corte do Japão (Saikōsaibansho). 69 Saibansho Minjihanreiswhū nº 2586 [MINSHŪ]. Tóquio, 16 dez. 2015.
JONES, Colin. Legitimacy–Based Discrimination and the Development of the Judicial Power in Japan as Seen through Two Supreme Court Cases. E. Asia L. Rev., v. 9, p. 99, 2013.
NASU, Hitoshi. Constitutionality of the Japanese Nationality Act: A commentary on the Supreme Court’s decision on 4 June 2008. Journal of Japanese Law, v. 13, n. 26, p. 101–116, 2008.
YOSHIDA, Kashimi. Japanese Baby Hatches and Unmarried Mothers/Children Born Out of Wedlock–A Comparison with German Babyklappen and American Safe Haven Laws. Ars Vivendi Journal, p. 25–41, 2013.
Nenhum comentário