O Centenário do Congresso Nacional Feminista no Panamá,1923-2023

O Centenário do Congresso Nacional Feminista no Panamá,1923-2023

Por Briseida Barrantes1
Tradução: Amanda Martínez

Imagem: Olmedo Beluche

Há cem anos, foi realizado no Panamá o Congresso Nacional Feminista, um evento histórico transcendental, cujo valor reside no fato de ter lançado as bases que impulsionaram as demandas sociopolíticas pelos direitos das mulheres em todo o país, por meio de uma ferramenta política estratégica: «Seu objetivo era aprovar fundação do Partido Nacional Feminista» (Marco Serra, 2007). 

O Congresso Nacional Feminista foi a expressão da militância de muitas mulheres que, desde o final da primeira década do século XX, haviam se conscientizado da discriminação sexista e que, no início da segunda década, ganharam mais força, tornando-se o motor das reivindicações democráticas, em especial o exercício do sufrágio universal, que mais tarde foi exercido pela primeira vez na eleição da Assembleia Nacional Constituinte de 1945 e foi finalmente estabelecido na Constituição de 1946. 

O Congresso começou em 20 de setembro de 1923, com a sessão inaugural realizada no Centro de Estudos Sociais. As sessões seguintes, do dia 21 ao dia 25, foram realizadas em um local emblemático, as instalações do Talleres Escuelas. 

O Talleres Escuelas era um local de educação popular, onde professoras feministas ministravam aulas para trabalhadoras e mulheres dos setores populares. Sua criação foi uma aspiração das trabalhadoras e se tornou realidade em 20 de dezembro de 1921, quando a Federação Operária da República do Panamá a aprovou. Daquela data até 1935, foi dirigida por uma pioneira do sindicalismo panamenho, a modista Julia Palau de Gámez, que foi designada como diretora geral da equipe de gestão, da qual também faziam parte nove ilustres sindicalistas: «… Diretoras de subdivisão: Leonor E. viuda de Hernández, Delfina del C. González, Florencia Azcárate, Sabina Azcárate, Hildaura Algandona, Josefa Arboleda, Martina Amador, Ana Emilia Calderón, Eufemia Peña. (El Obrero, fevereiro de 1922:4)». (Gutiérrez & Candanedo, 1997).

Os Talleres Escuelas tinham uma localização muito conveniente e central, por isso era fácil chegar lá, conforme registrado na história: «As instalações desses Talleres-Escuelas ficavam na Avenida B, onde hoje está a Escola República do México» (Gutiérrez & Candanedo, 1997). 

As trabalhadoras sindicalizadas foram as primeiras a organizar e posicionar as demandas das mulheres, com um programa que incluía o direito ao sufrágio feminino, conforme evidenciado em uma seleta bibliografia de consulta obrigatória: «há registros da formação do primeiro sindicato de trabalhadoras em 11 de agosto de 1921, chamado » União Operária Feminina da República do Panamá» (Gutiérrez e Candanedo, 1997). 

Desde o início, o ativismo das mulheres líderes sindicais se fez sentir na união que reunia vários sindicatos: «em julho de 1921, foi fundada a Federação Operária da República do Panamá, que promoveu a participação das mulheres da classe trabalhadora em suas fileiras e que foi a primeira organização a proclamar em seu programa como um objetivo importante «… tentar estabelecer o sufrágio feminino…» (Marco Serra, 1977). 

No âmbito da comemoração do centenário do Congresso Nacional Feminista, é necessário relembrar o histórico das precursoras do movimento sindical panamenho, suas contribuições e os fortes vínculos que estabeleceram com as novas militantes do feminismo sufragista panamenho, em suas justas reivindicações.

A organização que convocou o congresso

As líderes trabalhadoras que receberam no Talleres Escuelas esse notável grupo de professoras que lhes proporcionou formação em diferentes matérias, consolidaram seus vínculos com o coletivo que convocou o primeiro Congresso Nacional Feminista a ser realizado no istmo panamenho, o qual elas apoiaram nesse empreendimento, o Centro Feminista de Renovação, considerado a «primeira organização sufragista» (Marco Serra, 1977). 

O Centro Feminista de Renovação (CFR) veio a público em 16 de dezembro de 1922, com Clara González como presidenta, que já era aliada de Julia Palau de Gámez e dos sindicalistas que exigiam os direitos sociais, econômicos e políticos das mulheres no Panamá. Acompanhando a primeira advogada panamenha na diretoria do CFR, estavam as destacadas líderes femininas «Elida Campodónico de Crespo, primeira vice-presidenta; a secretária, Sara Barrera, e Enriqueta Morales, tesoureira» (Samudio, 2023). (Samudio, 2023).

Foto: Anayansi Turner

Nesse contexto, não foi uma coincidência o fato de as sessões do Congresso Nacional Feminista terem sido realizadas no Talleres Escuelas, mas sim um sinal do espírito de solidariedade que as uniu para unir forças diante do novo cenário que a vida pública lhes reservava. 

De acordo com os registros e estudos realizados até o momento, a principal líder que promoveu a criação do CFR, Clara González, que em 1922 havia apoiado firmemente sua tese de graduação » A Mulher diante do Direito Panamenho», tinha muitas razões e motivações para realizar as ações que havia iniciado. Entre os motivos, «que a principal causa dessa organização e de sua fundação havia sido incentivada pelo projeto de lei apresentado com uma orientação pró-mulher pelo deputado de Chirica, Rosendo Jurado Venero, à Assembleia Nacional, no qual se contemplava o reconhecimento do sufrágio feminino» (Samudio, 2023).

Datas e principais resultados 

O Congresso Nacional Feminista gerou grandes expectativas na sociedade panamenha, realizado entre 20 e 25 de setembro de 1923, com 44 participantes representando a maioria das províncias, exceto Chiriquí e Coclé, que não tinham delegadas. As militantes debateram e tomaram decisões importantes nesse grande evento sociopolítico e histórico do país. 

O contexto internacional da época estava impregnado das conquistas do sufragismo como movimento, já que em alguns países as sufragistas haviam conquistado o sufrágio universal em 1920. Naquela época, no Panamá, as mulheres não tinham sequer o direito de optar por uma carteira de identidade pessoal, nem podiam exercer uma profissão que não fosse a tradicional. 

Depois de todo um processo de organização coletiva e da chegada da data inaugural, a presidenta do CRF apresentou o relatório do coletivo feminista que havia convocado a congregação e instalado a diretoria aprovada que presidiria o Congresso Nacional Feminista: «Depois de uma peça da Banda, a Srta. Clara González leu uma mensagem que, em nome do Centro Feminista Renovação, apresentou ao Congresso com o objetivo de esclarecer aos seus membros o propósito do mesmo. Depois disso, ela procedeu ao juramento das dignitárias eleitas«. (Campodônico de Crespo, 1926). 

As delegadas também aprovaram a mesa diretora do Congresso: Linda Smart, da província de Colon, como presidenta; Felicidad Hauradou, da província de Bocas del Toro, vice-presidenta; Carlota Calvo, secretária e Carmen Yanes, vice-secretária, ambas representando a província do Panamá. 

Foto: Anayansi Turner

O trabalho realizado pelas delegadas do Congresso Nacional Feminista teve uma produção intensa e foram alcançados três pontos-chave para a consolidação organizacional do nascente PNF e uma proposta eleitoral: «nas sessões realizadas nas Oficinas das Escolas para Mulheres, foram aprovados o Programa, Constituição e o novo Diretório Nacional do Partido, bem como o lançamento de Clara González como candidata a deputada na Assembleia Nacional» (Turner, 2006).

Foi aprovado o objetivo estratégico do Congresso, que era a criação do Partido Nacional Feminista (PNF), e seu Diretório Nacional foi composto por Clara González, como presidenta; Zoraida Díaz de Schtrom, eleita como vice-presidenta; e três membros foram eleitas: Elena Tejada, a sindicalista Julia Palau de Gámez e Benilda Zamora. 

O Congresso Nacional Feminista deu um impulso ao PNF desde o início. Clara González, em sua própria voz no discurso de abertura, apoiou a necessidade de sua criação e composição: «incluir todas as mulheres do país, cujos objetivos são lutar arduamente pela regeneração social da mulher, sua emancipação política promover seu aperfeiçoamento moral e romper sua dependência econômica, bem como os preconceitos que, longe de conduzi-las ao objetivo de suas aspirações, as colocam em uma rota de retrocessos desastrosos» (Marco Serra, 2007). 

A PNF desempenhou um papel transcendental na obtenção de muitas das conquistas que temos hoje. No entanto, há evidências de que, nas décadas seguintes, elas enfrentaram perseguição e demissão de professoras por sua militância por parte do poder político patriarcal que se recusava a reconhecer os direitos democráticos e a cidadania plena das mulheres. 

Pesquisa científica, conhecimento e visibilidade histórica 

Comemoramos este centenário do Congresso Nacional Feminista com mais conhecimento sobre a participação das mulheres nas primeiras quatro décadas do século XX no Panamá. Aquelas que abriram o caminho e legaram tantos direitos não são mais invisíveis. Esta ilustração é o produto de uma pesquisa minuciosa realizada por um grande número de cientistas sociais e ativistas feministas deste istmo, que têm tirado o pó dos fatos não contados pela história oficial, com base no método científico, fundamental para a análise de gênero. 

As principais protagonistas da verdadeira história sociopolítica do país foram trazidas à cena pública, e as novas gerações estão conhecendo-as para defender as conquistas obtidas e continuar alcançando outros direitos pendentes, que se tornaram verdadeiros desafios. 

Quem quiser saber mais sobre o antes, o durante e o depois do Congresso Nacional Feminista, realizado há cem anos neste país, não deve perder a oportunidade de visitar a principal Memória Histórica do país, a Biblioteca Nacional, bem como o Arquivo Nacional. Ali se encontram os principais recursos jornalísticos, como a produção bibliográfica de cientistas sociais e ativistas feministas, que radiografaram, com uma lente de gênero, uma parte essencial da história vivida por metade da população, para conhecer e entender o contexto vivido pelas mulheres nas primeiras quatro décadas do século XX. 

Os estudos levam a descobrir os fatos sociopolíticos e a situação da desigualdade de gênero, quem se opôs às exigências de igualdade de condições para as mulheres no Istmo do Panamá e compará-los com o que acontece hoje. Sem dúvida, surgirão muitas perguntas, tais como: Como agiam os presidentes da época, qual era a posição dos deputados na Assembleia Nacional, se eles se assemelham aos atuais, quais deputados os apoiavam e quais se opunham a eles, qual presidente mandou demitir professoras e perseguiu líderes mulheres, por que não foi possível realizar um Segundo Congresso Nacional Feminista? Você se surpreenderá com as respostas e os personagens.

Em suma, cem anos após o Congresso Nacional Feminista, é urgente reconhecer os méritos, a honra e a coragem das feministas que se uniram para vislumbrar um país com equidade e igualdade. Um passo fundamental para a construção da verdadeira democracia participativa, que possibilitará uma vida digna com total soberania em todo o território istmiano.


NOTAS 

Briseida Barrantes Serrano é socióloga com mestrado em gênero e desenvolvimento e especialista em educação superior. É presidenta da Faculdade de Sociologia e Ciências Sociais do Panamá. Membro da articulação Centroamericanista O Istmo – América Central. Integra a Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) e representou a região da América Central em seu Comitê Diretivo nos período 2017-2019 e 2019-2022. 


REFERÊNCIAS 

Campodónico de Crespo, E. (1926). Centenario del Congreso de Bolóvar 1826-1926. Recuerdo del Partido Nacionla Feminista. A las Delegadas del Congreso Inter-Americano de Mujeres. Panamá: Tipografía y Casa Editorial «La Moderna». Obtenido de http://bdigital.binal.ac.pa/bdp/Partido%20Nacional%20Feminista.pdf.

Gutiérrez, M., & Candanedo, J. (1997). Un Siglo de Liderazgo Femenino en Panamá.Un Enfoquee Histórico Sociológico. Panamá.: Servicio de Paz y Justicia, Ia. Edición. 

Marco Serra, Y. (1997). El Feminismo de los Años Veinte y la Redefinición de la Femineidad en Panamá. En E. Rodrígue Sáenz, & E. Rodríguez Sáenz (Ed.), Entre Silencios y Voces. Género e Historia en América Central (1750-1990). San Jose, Costa Rica: Centro Nacional para el Desarrollo de la Mujer y la Familia. 

Marco Serra, Y. (2007). Clara González de Behringuer. Biografía. Panamá: Edición
Hans Roeder. 

Samudio, E.Modernidad en Panamá (1907-1947). Editora Novo Art, Ed. Panamá: SENACYT.Turner, A. (2006). Clara González, La Mujer del Siglo. (Selección de Escritos) (Primera Edición ed.). Panamá: Imprenta Articsa. 

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