ENTREVISTA | Diplomata Ramon Limeira à Curadoria de Migrações e Direitos Humanos

ENTREVISTA | Diplomata Ramon Limeira à Curadoria de Migrações e Direitos Humanos

Mônica de Lourdes N. Santana

Imagem: Adriel Felipe de Oliveira

Ramon Limeira Cavalcanti de Arruda, foi Oficial de Chancelaria do Ministério das relações Exteriores entre setembro de 2009 e setembro de 2011. É diplomata desde 2011 lotado na missão permanente do Brasil junto à ONU, Bacharel em Filosofia pela UFPB em 2008, e mestre em Literatura pela Universidade de Brasília em 2018 com dissertação sobre luto, viagem e mobilidade pelo Japão no romance Rakushisha de Adriana Lisboa.

Você escreveu tua dissertação de mestrado baseado na obra Rakushisha da Adriana Lisboa intitulada “a cicatriz da passagem: luto e viagem”. A pesquisa aborda questões interessantes e por isso estamos aqui para te ouvir.

Gostaria de te fazer algumas perguntas referente à questão cultural em específico no deslocamento dos personagens Haruki e Celina na fronteira de países:

A obra da autora aproxima duas culturas adversas: Brasil e Japão com o personagem protagonistas Haruki – nisei que nasceu aqui e se sente integrado à nossa cultura o pai que é japonês e Celina que ele encontra na estação do metrô, uma mulher enigmática em busca dela mesma. Lembrando que Haruki não fala e nem escreve em japonês.

1. Você poderia fazer um breve resumo dessa obra e nos dizer o que te levou a escolhê-la bem como a temática? Quais foram tuas primeiras impressões?

Ramon:

Então vamos para um resumo do ponto de vista formal. A obra tem um misto de gêneros, ela tem foco em primeira pessoa de Celina nós lemos no meio do romance um texto escrito pela personagem, outras partes que soa em terceira pessoa. E temos uma terceira parte que são do extrato do diário do poeta japonês Bashô considerado o pai do Haicai. A história não é linear importante que se diga. Para resumir uma obra literária você não resume apenas o enredo é importante ter atenção para a construção forma como esse enredo é desdobrado, narrado e como as informações vão chegar até o leitor.

Do ponto de vista do enredo, do conteúdo nós temos duas personagens que estão em paralelo: um homem e uma mulher – Haruki e Celina e se encontram fortuitamente no metrô que… É um espaço de trânsito de movimento, desde esse encontro existe a ideia de mobilidade, do trânsito ainda sem deslocamento e puxam conversa por acaso. Ele tá ali com um livro na mão em japonês, ele não lê japonês e ela pergunta o que significa e ele não sabe. Eles esperam e continuar o percurso em que estavam. E algo que me pareceu extremamente inverossímil, o que costuma ser um defeito em obras de prosa, de ficção foi que ele propõe uma viagem a ela depois de poucos encontros, eles mal se conheciam e ela topa a viagem. E não é uma viagem qualquer entre João pessoa e o Recife. É uma viagem em que os dois têm que atravessar o mundo inteiro. Uma viagem custosa de diversos pontos de vista. Precisa de burocracia de consulado, precisa comprar a passagem aérea, tem uma complexidade que aumentava ainda mais a falta de verossimilhança pelo menos e certo nível de sentido desse convite aceito.

Quando eu comecei a estudar o texto através das ferramentas teóricas, eu vi que ali… Considerando que Adriana não é uma escritora primária e sem sofisticação, tinha um gancho sobre representação do luto e sobre a viagem que as personagens realizam como uma simbolização de uma viagem interior que é o trabalho de luto que começa de forma abrupta, inesperada.

A morte para gente é algo da esfera do real, mas no do sentido em que não entende a da inexistência da indeterminação que gente não entende, não acreditar que a pessoa morre. Muitas pessoas relatam que ainda no trabalho de luto tem a impressão que a pessoa morta vai aparecer entrar pela porta. É um deslocamento da pessoa que fica e que tem todas as características representadas no texto que é de você criar na viagem inesperada trabalhosa e que é única também.

2. Como é que as pessoas que viajam de um país para o outro e que criam vínculos no novo país trazem seus elementos culturais, como conseguem guardar essa memórias sejam culturais, do lugar, da sua história?

Ramon:

O deslocamento no espaço e no tempo… Todo deslocamento é uma mudança de um ponto espacial ao longo do tempo Ele tem o poder de mudar a perspectiva, de dar outras referências e de colocar o sujeito num ponto de percepção diferente daquele inicial, de onde ele partiu.

E essa coisa tão concreta … Há poucas coisas na existência tão concretas quanto o nosso espaço e o tempo. Quando o nosso espaço e o nosso tempo e quando nos deslocamentos e mudamos de espaço e tempo as bases materiais, mais elementares do que nos dá a ideia de pertencimento, o que consolida nossa identidade, nossas referências são postas a prova. Elas são, tendem a ser relativizadas e o que elas tem de natural, a áurea natural que a identidade tem para quem vive no mesmo lugar, e não se desloca essa áurea se esvai. Então todo deslocamento desafia quem nós somos. Vemos que o mundo é mais o complexo e vai muito além daquilo que nos cercava em um espaço imediato no ponto de partida.

Existe um objeto amoroso no caso são pessoas, e de repente esse objeto amoroso que projeta uma imagem no ego de quem ama que cria um movimento, uma dinâmica, cria um equilíbrio uma harmonia no ego de quem ama. Esse objeto desaparece, e essa projeção do outro em nós ela cessa. É como se nós fôssemos iluminados por esse outro o tempo todo com que convivemos com quem temos trocas de afetos e esse facho do outro em nós se apaga e a falta dessa projeção cria um transtorno, um desequilíbrio e um deslocamento, que precisa ser reequilibrado de alguma forma. Então, tanto que no caso da viagem do deslocamento físico quanto no paralelo que se faz como o luto… Existe uma crise necessidade de encontrar um novo ponto de apoio.

No caso do Brasil a nossa maior chaga, nossa maior questão é o deslocamento das populações africanas extirpadas do continente de origem e escravizadas. É outro tipo de deslocamento, normalmente o retorno estava interditado eles eram subjugados, proibidos de falar a própria língua, eram desgarrados da família. Quando se pensa em deslocamento, existe uma hierarquia digamos assim. Cada uma terá uma consequência e também representam um estado de coisas do mundo.

É muito comum em pessoas refugiadas de situações de guerra ou de catástrofes climáticas. O refugiado é aquele que se desloca para sobreviver e contra a própria vontade. De fato, ele abandona uma paisagem, a cultura que se desenvolveu em torno dessa paisagem que a ela está atrelada, mas é comum que deixem pessoas para atrás. 

3. Ao se tornarem estrangeiros na cultura exótica japonesa, os personagens Haruki e Celina vivem um sentimento de estrangeiros de si mesmos. Precisaram viajar para se encontrarem. Podemos dizer que foi um deslocamento psicológico?

Ramon: 

Sim, quando você pergunta se há um deslocamento psicológico é uma das partes do que eu defendo na análise. É ao se deslocarem e se inserirem no espaço em que são estrangeiros. Ele é cercado de estranhamentos, ele não é reconhecido como parte. Ele meio que desautomatiza o cotidiano, ele tem que descobrir como as coisas funcionam, ele tem que se adaptar. A viagem no romance serviu para induzir ou de eixo para a viagem interna ou intramoção. Se era necessário ou não, eu acho que não era necessário fazer aquela viagem física e … Uma coisa interessante do livro que chamou atenção, os dois personagens se encontram partem nessa viagem e o leitor… eu fiquei esperando eu antecipei que eles teriam algo.

Mas chegam ao Japão e se separam, eles partem juntos. Encontram-se no metrô, há a proposta da viagem, tomam o mesmo avião Haruki em Tóquio e Celine em Quioto. E in loco não estão juntos. No processo de imersão e experimentação deste estado de estranho cada um segue o seu percurso. Ele é individual como é percurso do luto. O luto vem de um estado de amor. Se há luto quando houve amor, a uma causa a um lugar, mas que tem que ter havido amor e o amor ele é único para cada pessoa ele obedece a especificidades que não são reprodutíveis.

A viagem de cada um é específica. Era necessária para continuar a viver, mas não necessariamente para o Japão. Poderia ter sido para outro lugar talvez. Mas o processo, digamos de simbolização da perda que acontece de fato. Celina lê os diários trazidos por Haruki contratado como ilustrador e desenhista dos diários traduzidos para o português, e existe um paralelo entre a história dos dois. Por que ele também faz peregrinação depois da morte do melhor amigo dele para a Rakushisha que é o nome do lugar que dá título ao romance. Aquela viagem para o Japão poderia ter sido outra.

4. Você de certa forma também é um viajante, passou pelas experiências de viagens e seus deslocamentos, afastou-se da tua morada, raízes e fez a travessia observando a visão do outro questionando teus próprios valores. O que você diria da tua experiência. Saiu do Brasil indo para Genebra. 

Ramon:

Meu deslocamento… Eu começo a narrá-lo de quando eu saio da Paraíba para Brasília por que se a gente pensa. Por exemplo, que de João Pessoa para Brasília a gente leva 2 horas e meia de voo e é o mesmo tempo de voo de sair daqui de Genebra para Lisboa que é a capital do país mais a oeste aqui do continente europeu, o nosso país ele é continental. Ele tem uma diversidade interna, identidades e pertenças heterogêneas, diversificadas, então a minha primeira experiência de estranhamento foi na partida da Paraíba para Brasília quando eu tomei posse no cargo de oficial de Chancelaria e depois continuando como diplomata. Ali eu já senti uma experiência de estrangeiro.

Agora … Depois foi ainda mais radical porque embora, como você bem disse, a minha situação de deslocamento é em termos relativo privilegiada, por que eu me preparei pra isso eu tenho meios materiais, eu tenho um suporte de uma instituição para a qual eu represento, eu chego com o status diplomático que tem um reconhecimento, existem tratados internacionais que me protegem. Tudo isso é verdade. 

5. Finalmente, Haruki representa o legado, a história da imigração japonesa no Brasil por uma identidade e pertença. A obra remete ao momento histórico da viagem e de estabelecimento dos japoneses no Brasil. Muito presente em São Paulo. 

Ramon:

Existiram os japoneses que migraram para o Brasil. Uma migração muito importante no Brasil com legado cultural e que deixou sua marca que é centenária, inclusive com um bairro inteiro com características, arquitetura, serviços e culinária.

Eu lembro na nossa conversa que nas décadas de 80, 90 existiu um fluxo inverso. Que é o dos decasséguis, que eram os descendentes de imigrantes japoneses no Brasil que cresceram no Brasil foram socializados, integrados a cultura brasileira e por conta de dificuldades financeiras, em busca de oportunidades econômicas retornaram para o Japão e tem uma cultura própria. É muito interessante que esse deslocamento… são um povo com uma identidade cultural muito definida preservaram, se reconhecem e a gente os identifica.

Mas … Quando os descendentes nisei, sansei, retornaram para o Japão, a força local da cultura em que foram criados era tão forte que já não são os mesmos. Eles … A geração, digamos se a gente pensar no Japão nas pessoas que estavam lá e que tiveram filhos e netos simultaneamente aos concidadãos que tiveram filhos em outro lugar houve uma mudança da cultura japonesa, lá no Japão que eles não necessariamente acompanharam por que estavam fora e inseridos em outra cultura. Eles voltam e são identificados lá como japoneses, mas brasileiros também.

E o Haruki é um pouco isso. Não fica claro na trajetória de Haruki por que, de que ordem é a rejeição que ele tem da cultura dos pais, da resistência de reconhecer minimamente ou se interessar pela cultura do pai.

Ao que parece, as indicações são de que ele tinha uma relação problemática com o pai e a rejeição que ele manifesta da cultura japonesa era uma correspondente à rejeição que ele tinha pelo pai. E quando o pai morre, desaparece, o trabalho de luto… Ele tenta se reaproximar da cultura japonesa como forma de recuperar o pai que perdeu. Mas ele diz: “não me sinto japonês, eu sou brasileiro”. 

Ramon foi muito bom ouvir você, compartilhar tuas ideias, os teus sentimentos, e o que você tinha a nos dizer sobre a obra.

Ramon:

Eu quero dizer que foi um prazer conversar com vocês. Agradeço muito o convite para ocupar esse espaço, discutir, pra falar sobre minha dissertação. Quando a gente faz um trabalho assim, a gente quer mesmo que as pessoas conheçam, que o assunto seja discutido até pra receber… em troca, enriquecer.

Nenhum comentário

Adicione seu comentário