4º Prospecta: A Cidade no futuro ou a potência do espaço público

QUARTO PROSPECTA | RECIFE
Biênio 2016-17 – “O Futuro da Técnica e do Planeta”

O Assunto: “A cidade no futuro ou a potência do espaço público”
Dia 29 de Setembro – 16:00 horas Biblioteca Central – Auditório 3

O que eu gostaria de perguntar é: nós precisamos de uma megacorporação para tomar café? Cada franquia da Starbucks leva uma parcela da capacidade de consumo local para sua sede, para os bancos. E talvez caiba a nós relocalizar isso em nossas cidades. Eu falo para meus alunos: “Não vá a uma grande loja para comprar seus mó- veis. Contrate um imigrante que vive perto para fazer isso”. E esse tipo de atitude está em franca explosão. Há uma nova subjetividade – não sou a única a pensar assim – que se conforma desde agricultura urbana até economias locais. Trata-se não de redes sociais, mas de criar tecidos, ou seja, de se associar em comunidade.

Saskia Sassen

O homem jamais habitou a natureza, mas sempre e somente o mundo que a sua percepção construiu.

Umberto Galimberti

“A cidade no futuro ou a Potência do Espaço Público”, quarto tema do Biênio 2016-2017, dá continuidade as nossas prospecções sobre “O Futuro da Técnica e do Planeta”.

É costumeira a referência ao espaço público como “um vazio rodeado de edificações”, mas essa resposta geométrica tão precisa, embora ressalte o poder da “forma”, falha, ao não considerar – seja no vazio ou no entorno construído – as pessoas vivendo, a vida acontecendo. Podemos sem dificuldade reconhecer que sinônimo de cidade é seres humanos habitando um mesmo território, ou como diz Jordi Borja, “a cidade é o espaço público”. E, embora seja vasto o leque de questões que o termo “cidade” suscita, a escolha do foco no “espaço público” vem a ser muito pertinente, em razão da preocupação primeira com a Ética, fio condutor do Instituto Futuro neste biênio 2016-2017, porque envolve também a questão da “cidadania”.

A antropóloga mexicana Maria Ana Portal bem define o universo de significados que pode revelar o tema “espaço público:

No contexto social e histórico atual, falar sobre o espaço público resulta dos mais pertinentes como parte da busca por construir processos democráticos em sociedades com cidadanias desfiguradas e incipientes . O espaço público tem uma dimensão política fundamental para compreender os processos sociais contemporâneos e se constitui em uma espécie de dispositivo conceitual para perceber a cidade.

Trata-se, ao que parece, de uma potência que reside na concepção mesma de espaço público, no entendimento de que ele pode ser um meio de nos projetarmos para um futuro que protagonize uma humanidade consciente de que ela é parte do mundo e não, primazia no mundo. A concepção de espaço público que herdamos da polis grega, segundo Jaegger

a) exalta a justiça como fundamento da sociedade humana”,
b) tem na ideia do Direito, um princípio de organização social e de liberdade cívica necessária a plena realização pessoal”;
c) tece a ideia de vida social como aquela da participação do homem no seu próprio destino” e que acarreta “um dever de ação”.

É essa complexidade e essa imensa possibilidade apontadas que direciona a escolha pelo foco no espaço público, ao prospectarmos as cidades no futuro. Todavia,

se, como dizem os “curadores” deste biênio – os pensadores Umberto Galimberti e Laymert Garcia – estamos vivendo a Era da Técnica ou da Tecnociência, cuja situação é não termos um pensamento alternativo ao modelo calculista/cartesiano de racionalidade que nos vem sendo imposto; se essa é uma condição social que imprime nas pessoas a ideia de que elas não são responsáveis pelas suas ações; se o bem e o mal se transformaram no bem feito e no mal feito,

Como “empoderar” os habitantes de um lugar para que seus espaços públicos sejam uma alternativa de dignidade e justiça? Até que ponto a qualidade física dos espaços públicos das cidades, desde as funções desenvolvidas neles e nos seus entornos, até as suas formas espaciais e paisagísticas podem ainda contribuir para a garantia dos necessários sentimentos de “pertencimento” a um lugar?

Há possibilidade de as novas tecnologias estarem a serviço do “bem viver” nos espaços urbanos, estimulando uma humanidade que parece perdida?

Entao, entrelaçar cidadania e forma urbana significa falar em vida pública local e este é um entrosamento que parece ser bem desafiador para prospectarmos a cidade desde o presente, mirando o futuro com uma série de interrogações que deixam a mostra a necessidade de variadas ações sociais.

A questão de futuro é, pois, ao entrelaçar cidadania e forma urbana, buscar uma concepção de cidade, de espaço público, de cidadania, que mantenha as comunidades alertas para a importância de seus conhecimentos vivenciais e para seus direitos coletivos. Na verdade, no final do século XX, muitos pensadores anunciaram o fim da cidade ou, a sua negação. E agora, parece que se começa a pensar de maneiras diversas daquela

Em função dos tamanhos das cidades ou da falta de inter-relações espaciais, o sentido de vizinhança sofreu algumas re-interpretações. Em vista disso, pensadores como Michel Mafesoli já não se referem a população das cidades como uma comunidade, mas a existência de inúmeras tribos urbanas. Mas, mesmo que Mafesoli entenda a existência das tribos urbanas como uma constatação de quebra nos individualismos e um crescimento de um senso de coletividade, isso ainda assim requer algum cuidado relativamente a dimensão povo.

Em função do poder do capital que destrói e reconstrói os lugares públicos de maneira inóspita e destituída de simbolismos do lugar, verifica-se perdas de identidade, degradação de patrimônios construídos, insegurança, perda de referências locais, etc. E entretanto, desde a Carta de Veneza, nos Anos 60 do século XX, a conservação dos lugares urbanos não cessa de ser repensada, de se multiplicar e de rever teorias do passado.

Alguns pensadores como os nossos curadores Umberto Galimbert e Laymert Garcia, ou como David Harvey, ou Noam Chomsky, se não acreditam que a polis grega, holística, seja mais possível de se revelar em cidades dos Estados Unidos ou da Europa, pensam que em regiões como o Brasil ainda há esperança sobre algum modo holístico de viver. Saskya Sassen, por sua vez, enxerga que “uma nova subjetividade” está acontecendo no mundo, em face de uma certa busca por vida simples.

Alguns que se dedicam a pensar a forma da cidade, como Michel Agier, falam em modos de renovar as áreas intersticiais das cidades e revela as relações fluidas e móveis da vivência urbana fora dos cantos reconhecidos como cartões postais.

Movimentos tais como “A cidade ao nível dos Olhos” pregam a revisão funcional e estética dos térreos dos edifícios, entendendo-os como região de contato imediato entre as pessoas e os espaços públicos. Roger Scruton fala em intervir nos centros urbanos a partir da escala do existente como modo mesmo de estimular e salvaguardar a dimensão Arte das cidades.

A Agenda 2030 da ONU, por sua vez, projeta a possibilidade de cidades resilientes e inclusivas. No campo das relações entre espaço urbano e novas tecnologias, Javier Bustamante fala em ecossistemas digitais, e cidadanias digitais chegando a desenvolver um conceito, “ procomun (commons, bens comuns), que se refere a conservação de espaços urbanos não submetidos às leis do mercado. Os movimentos “Ocupe” mesclam cidadania com rebeldia e arte pública em modos inesperados de lutar por permanências urbanas. Ou seja, neste início de Século XXI, apresenta-se uma atmosfera de esperança na potência do Espaço Público que merece ser refletida. E nós, o que podemos pensar sobre isso tudo? Há esperança para a vida nos espaços públicos?

Com esses questionamentos e essas possibilidades, compusemos a Mesa que provocará as discussões do Quarto Prospecta|Recife. Neste mês de setembro estaremos prospectando a Cidade no Futuro, o futuro dos espaços públicos com

  • Professor do Departamento de Filosofia – UFPE, Érico Andrade Marques de Oliveira. Filósofo dedicado a refletir sobre Ética e Política, no campo dos Direitos Urbanos.
  • Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFPE, Julieta Maria de Vasconcelos Leite. Arquiteta e socióloga dedicada a refletir sobre espaço público, paisagem e novos modos de interação dos indivíduos com o espaço público;
  • Advogada Fernanda Carolina Costa. Jurista, coordenadora regional norte-nordeste do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e dedicada aos movimentos urbanos
  • Como mediador, o Arquiteto e urbanista Luiz Manuel do Eirado Amorim, dedicado aos estudos sobre morfologia urbana.

Desta vez trazemos como “conferência-luz” uma palestra da arquiteta síria Marwa AlSabouni, ganhadora de um concurso de renovação urbana na cidade de Homs cuja compreensão de arquitetura, de identidade e de espaço urbano bem ilustra grande parte dos questionamentos aqui alinhavados.

Assista à palestra TED para conhecimento.

Lembramos que o Prospecta | Recife tem o propósito de ser um espaço aberto de debate e reflexões de fronteira, de transversalidade mutidisciplinar e de participação pública. Daí a composição da mesa e daí a dinâmica que praticamos:

  1. Um trecho de video-conferência (conferência-luz) é apresentado ao público (máximo 10 minutos);
  2. Os convidados expõem suas ideias sobre as provocações feitas pelo Instituto Futuro (máximo 15 minutos, cada um);
  3. O mediador sintetiza e conecta as falas e abre o debate para o público (máximo 10 minutos).

Contando com sua presença e participação, Saudações a todos,
Professora Maria de Jesus de Britto Leite
Coordenadora do Instituto Futuro UFPE

Bibliografia referenciada

AGIER, Michel. Antropologia da Cidade. Lugares, Situações, movimentos. Terceiro Nome, BORJA, Jordi. MUXI, Zaida. El espacio publico, ciudad y ciudadanía. Barcelona: Electa, 2000 BUSTAMANTE, Javier. Poder Comunicativo, Ecossistemas digitais e Cidadania. In Sergio Amadeu da Silveira, org. Cidadania e redes digitais. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil: Maracá – Educação e Tecnologias, 2010. DAMASCENO, Janaína. SILVA, Isabela O. P. GUILHERMO, Natália H. F. ADERALDO, André. FRUGOLI, Jr. Heitor. As cidades da antropoligia: entrevista com Michel Agier. Revista de Antroplogia da USP, 2010, No. 02. GALIMBERTI, Umberto. Psiche e techne. Sao Paulo; Paulus, 2006. HARVEY, David. Espaços de Esperança. Sao Paulo: Loyola, 2004. JAEGGER, Werner. Paidéia. A Formação do Homem Grego. Sao Paulo: Martins Fontes, 1995. MAFESOLI, Michel. O tempo das Tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Sao Paulo: Forense universitária, 1987 PORTAL, Maria Ana. Resenha do livro “Espacio público y reconstrucción de ciudadanía” coordenado por Patrícia Ramirez Cury. Rev. Mex. Sociol, Set 2005, vol.67, no.3, p.649-654. ISSN 0188-2503. SANTOS , Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias. O impacto socio-técnico da informação digital e genética. Sao Paulo: Editora 34, 2003. SASSEN, Saskya. Territorio, autoridad y derechos. De los ensamblajes medievales a los ensamblajes globales. Buenos Ayres: Katz, 2006 SASSEN, Saskya. O que é espaço público? Revista AU, ed. 232, julho, 2013. SCRUTON, Roger. Entre a Arte e a Ciência. Artigo traduzido da revista The New Criterion, vol. 26, fevereiro de 2008, página 4 para a Revista Dicta & Contradicta

A Cidade no Futuro ou a potência do espaço público

Resenha por Mariana Figueiredo

O último prospecta teve como tema “A cidade no futuro ou a potência do espaço público” e, tivemos como discussão inicial a passagem do vídeo da arquiteta síria Marwa Alsabouni, que traz à luz questões bastante pertinentes para a reflexão da importância da arquitetura para a construção de uma cidade que busque o senso de pertencimento dos seus cidadãos para com a cidade. Ela aponta que a modernização foi um fator de choque com a cultura síria e, com isso guetos foram sendo distribuídos por toda cidade, Homs, sendo apontado por ela, um dos possíveis “starts” da atual guerra.

Então, como reconstruir e/ou reconquistar, valores morais bem como a paz sendo compartilhado por todos? A saída que ela aponta está na arquitetura. Construir uma cidade mais integrada, que reflita a identidade das pessoas que moram ali, traçando uma ligação social, psicológica, espiritual com as pessoas e a cidade.

Começando os debates, Ana Lira, representante do grupo “ direitos urbanos” e, substituta do professor Érico Andrade, trouxe uma fala repleta de vivencia e, proximidade com os problemas da cidade do recife. Fotógrafa, nos mostrou com relatos visuais uma necessidade de observar o processo de vivência/ escolha que permeiam a cidade. A formação do grupo Direitos Urbanos no facebook se deu em 2012 a partir de discussões de vários temas que problematizavam a cidade e, ali naquele grupo, poderiam torná-las coletivas e públicas, tendo assim, no ciberespaço uma extensão da esfera pública. Muito de sua fala estava pautada na reflexão “ qual o papel que nós temos para pensar a cidade? ” Com fotos de sua autoria, foi possível perceber a atuação de cidadãos no processo ocupação do Cais José estelita, bem como em assembleias públicas para a discussões de problemas urbanos ligados a projetos imobiliários na cidade.

A professora Julieta Leite trouxe um debate super atual em sua fala. Começando assim, pelo jogo de realidade aumentada o Pokemon Go. Como o jogo poderia ser relacionado com espaço público? Sua resposta está baseada em uma ideia cultural e social ligada a pós-modernidade[1], no qual o estar juntos, o afeto, símbolos, são reconfigurados a partir de uma subjetividade coletiva. A infraestrutura o comunicacional, as novas fronteiras, os novos usos do espaço estão redefinindo o espaço público, assim, sendo necessário (re)pensar o ciberespaço em conjunto com a cidade. Trazendo problematizações através da arte, Julieta apresentou algumas obras de artes que faziam a conexão do espaço público e smartphones questionando uma nova configuração urbana.

A última debatedora a advogada Fernanda Costa, nos apresentou um debate mais jurídico, mas nem por isso enfadonho. Com uma fala leve, questionou até que ponto a ordem jurídica urbanista é horizontal e, respeitada no brasil. Colocando em cheque o que seria de fato o direito à cidade, trazendo apontamentos e questionando a cidade em que vivemos e queremos. Questões decisórias foram colocadas em ênfase como: quem decide e planeja a cidade? A resposta, em sua maioria, apresenta uma discrepância entre as decisões tomadas no aparato governamental e a realidade vivenciada pelas pessoas. Fazendo ser imprescindível que a legislação respeitas algumas coisas, como por exemplo a identidade daquela cidade, bem como sua cultura.

LEMOS, Andre O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia / André Lemos e Pierre Lévy – São Paulo: Paulus, 2010

[1] Na pós modernidade, o sentimento é de compreensão do espaço e do tempo, onde o tempo real (imediato) e as redes telemáticas, desterritorializam (desespacializam) a cultura, tendo um forte impacto nas estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais. O tempo é, assim, um modo de aniquilar o espaço. Esse ambiente é o ambiente comunicacional da cibercultura (LEMOS 2010, p.68).

 

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