9 de maio de 2022
Autora: Renata Moraes
Afetando principalmente a civis, os crimes de guerra são conceituados, segundo o Direito Internacional, como aqueles onde ocorre o uso demasiado da força e tornam pessoas e locais reféns de ações como perseguição, opressão, estupros, tortura e extermínio. Esse entendimento foi se desenvolvendo internacionalmente sobretudo a partir do julgamento ocorrido no Tribunal de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial, e é percebido como frequentemente vinculado a intolerâncias de cunho étnico, religioso ou político. Nesse contexto, temos a criação, através da Carta das Nações da Corte Internacional de Justiça e, posteriormente, através do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional: é sobretudo nesse que são apuradas as acusações de crimes de guerra.
Existe um conjunto de diferenças sobre os procedimentos quando o acusado de cometer crime de guerra é um Estado, um indivíduo ou uma organização e tais questões jurídicas ainda hoje se desenvolvem nesse meio, mas é possível afirmar que foi a partir da década de 1990 que as ações tanto preventivas quanto punitivas das Organizações Internacionais ganharam um novo patamar: as atrocidades ocorridas na Guerra da Iugoslávia impuseram a urgência por desenvolvimento de ações contra agentes que, de forma proposital, atacavam a civis em condição de minoria buscando a limpeza étnica, a inferiorização do outro ou mesmo, a vitória ao custo de vidas civis não-combatentes na disputa. Até então, havia especialmente no meio jurídico internacional a incerteza se atores que não fossem Estados poderiam ser imputados como criminosos de guerra; isso mudou após as decisões proferidas no TPI quanto ao que ocorreu em tal guerra civil.
Dessa forma, não é possível falar do que são crimes de guerra e repudiar tais ocorrências sem lembrar do conflito civil ocorrido na antiga Iugoslávia onde, buscando a limpeza étnica, tropas sérvias provocaram a morte de milhares de pessoas, incluindo minorias muçulmanas, em ações aprovadas pelo então presidente da Sérvia Slobodan Milosevic e que ainda hoje repercutem. A importância das investigações do Tribunal Penal Internacional quanto a eventos relacionados, como o Massacre de Srebrenica, está não só na busca por justiça e reparação, mas também na compreensão internacional de que não apenas Estados são atores passíveis de responsabilização penal em crimes de guerra, mas também indivíduos e grupos: a penalização de Milosevic e militares sérvios trouxe para o mundo a compreensão de que todos os indivíduos, agindo isoladamente, em organizações ou mesmo sob o comando de governos, serão responsabilizados caso pratiquem ações passíveis de configurarem crimes de guerra.
A responsabilização penal por ações abusivas em guerras é algo que nem todos os envolvidos acabam por reconhecer como possível, já que, para eles, vencer vale tudo. Não é assim, porém, que ONU, Tribunal Penal Internacional (Tribunal de Haia) entende: sendo o responsável pelo julgamento de crimes de guerra, seus membros realizam investigações para observar se houve uso abusivo da força, ataques desnecessários a áreas civis, prática de tortura, sequestro ou desaparecimento; caso sim, os investigados são passíveis de penalidade, sobretudo quando acompahados por assassinatos sistêmicos, cabendo ao TPI a investigação, julgamento e condenação ou absolvição dos acusados por crimes à humanidade, incluindo aqueles categorizados como crimes de guerra. Abaixo listamos três acusados de crimes de guerra em conflitos civis que foram avaliados pelo Tribunal Penal Internacional.
- Thomas Lubanga Dyilo
Ex-líder da União de Patriotas Congoleses (UPC), Lubanga fez parte dos investigados pela morte de aproximadamente 8 mil assassinatos ocorridos desde julho de 2002 no país. As investigações trouxeram provas de crimes de guerra por alistar, recrutar e expor menores de 15 anos à condição de criança-soldado em conflitos armados ocorridos em Ituri no período de 2002 a 2003. Lubanga foi preso em Haia em março de 2006, acusado no mesmo ano e julgado culpado em 2012, sobretudo devido a sua coordenação no uso de crianças para a Força Patriótica para a Libertação do Congo ( FPLC). Sua pena foi de 14 anos de prisão e foi a primeira condenação gerada pelo TPI. Lubanga continua cumprindo a pena no Centro de Detenções em Haia.
- Omar al-Bashir
Bashir foi presidente do Sudão entre 1989 e 2009, sendo líder do movimento de oposição que provocou o golpe de Estado no país que possibilitou tal posição e também foi o chefe do Conselho do Comando Revolucionário para a Salvação Nacional. Ele foi visto como responsável por várias atrocidades cometidas no país durante esse período, principalmente quanto aos conflitos ocorridos na Segunda Guerra Civil Sudanesa (1983-2005). O ex-presidente foi indiciado pelo TPI em 2009 por crimes de guerra praticados nesse contexto, tais como a autorização de assassinatos em massa, estupros e saques. Vale salientar que Bashir supervisionou uma das maiores campanhas militares ocorridas na região de Dafur durante a guerra civil, sendo seu resultado a morte de aproximadamente 400 mil pessoas.
- Muammar al-Gaddafi
Nomeado como Presidente Revolucionário da República Árabe Líbia de (1969 – 1977) e Líder Fraternal da Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia (1977 – 2011), o polêmico chefe da Líbia esteve envolvido em diversas atrocidades no país, destacando-se a ostensiva repressão à Guerra Civil Líbia (fevereiro à outubro de 2011). Ainda que tenha sofrido mandado internacional de captura e prisão por seus crimes de guerra e crimes contra a humanidade, decorrentes do tratamento dado a civis – principalmente quando rebeldes e pertencentes à oposição durante a guerra civil -, Gaddafi não chegou a ser trazido à julgamento pelo TPI devido a sua morte em 2001.
Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60617729
https://www.dw.com/pt-br/o-que-constitui-um-crime-de-guerra/a-61005606
https://www.dw.com/pt-br/em-srebrenica-a-europa-fracassou/a-54133319
PORTELA, Paulo H. G. Direito internacional público e privado. Salvador, Juspodium, 2018.
https://ihl-databases.icrc.org/customary-ihl/por/docs/v1_rul_rule156
https://mundoeducacao.uol.com.br/politica/tribunal-de-haia.htm
https://news.un.org/pt/tags/tribunal-penal-internacional
https://jus.com.br/artigos/18677/libia-e-o-tribunal-penal-internacional
PIOVESAN, Flavia; IKAWA, Daniela Ribeiro. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O DIREITO BRASILEIRO.
MARCUSSI PONTES, Rúbia; FARIA, Leonardo. O TRIBUNAL INTERNACIONAL PENAL E OS CASOS DE MUAMMAR AL-GADDAFI, SAIF AL-ISLAM GADDAFI E ABDULLAH AL-SENUSSI. REI – REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 297-327, jan. 2016. ISSN 2447-5467.