Caso Yazidi: Intolerância, Perseguição e Massacre

2 de maio de 2022

Autora: Narayani Maria Serafim Barbosa

Contexto e introdução à intolerância

    Composto nos tempos atuais por um grupo de, aproximadamente, setecentas mil pessoas, os Yazidi, grupo que surgiu há cerca de 4.000 anos, decorrente de povos residentes da antiga Mesopotâmia, se consideram Curdos, grupo étnico nativo de uma região do Oriente Médio chamada de Curdistão, abrangendo parte dos territórios do Irã, Iraque, Síria e Turquia. Seguem uma religião sincrética, resultante da junção do Cristianismo, Islã e Zoroastrismo (fundada na antiga Pérsia), que gerou uma minoria religiosa de crença monoteísta, na qual seus seguidores pregam a reencarnação do espírito, além da concepção de que Deus, o ser supremo, criou sete anjos, para que estes realizassem o intermédio entre os planos. A grande questão, geradora das polêmicas referentes aos Yazidi, encontra-se em um desses anjos, o “Melek Taus”, ou Anjo Pavão, em tradução livre, que conta como uma das possíveis formas de ser chamado o nome “Shaytan”, que, para a religião islâmica, é utilizado para se referir a demônios,  personificações do mal.

Início das perseguições 

    As indisposições para com os Yazidi são registradas desde tempos longínquos, aproximadamente no final do século XVI e início do XVII, mas estima-se que os ataques organizados iniciaram por volta da segunda metade do século XIX, sendo alvo do Império Otomano e de líderes de outras religiões curdas, que possuíam desavenças entre si. As perseguições continuam ocorrendo atualmente, apesar da troca dos atores responsáveis pelos ataques, sendo agora o autointitulado Estado Islâmico (ISIS), organização islamita de cunho extremista, principal responsável por tal papel. Perseguidos, escravizados e brutalizados de diversas maneiras ao longo dos tempos, a justificativa encontrada para tais barbáries seria que os Yazidi se encontram na posição de hereges, ou ainda “adoradores do diabo” aos olhos, majoritariamente, dos islâmicos membros do ISIS. 

    O pequeno grupo religioso sequer encontra asilo no seu berço originário, que para eles é o Templo de Ishtar, localizado nas Montanhas Sinjar, norte do Iraque. Além das questões ligadas à religião, os inimigos dos Yazidi se utilizam de direitos territoriais e oficializações para retirar o mínimo de reconhecimento possuído pelo grupo curdo, como exemplo o que ocorreu no final da década de 1970, quando Saddam Hussein iniciou um processo de “arabização”, na tentativa de inserir grupos da região do Curdistão em territórios controlados, com a intenção de subjugá-los permanentemente. Após, aproximadamente, três décadas, em 2003, depois do imposto processo de urbanização, os Yazidi, e outros na mesma conjuntura, receberam o direito a uma região autônoma denominada Governo Regional do Curdistão (KRG), para que pudessem retomar seus hábitos e costumes de forma deliberada, sendo povos naturalmente isolados. Porém, apesar de possuírem terreno garantido, os curdos buscavam a liberdade de frequentar e acessar Sinjar,  além da luta por reconhecer a região como parte da área curda, iniciando então um embate entre a KRG e o governo de Bagdá, capital do Iraque, que clamava a posse das terras das montanhas. Dito isso, a aversão já existente do Estado Islâmico para com os Yazidi somou-se aos conflitos territoriais estabelecidos com o governo de seu país, Iraque, gerando, como resultado, ações violentas, que mais tarde se consumariam exterminadoras.

O Massacre de Sinjar e suas consequências

    O ápice do ódio e intolerância nutridos pelo ISIS aos Yazidi ocorreu à partir do dia 03 Agosto de 2014, quando essa organização lançou ataques ofensivos na região das  Montanhas Sinjar, resultando em um massacre de larga escala contra a população civil. Foram registrados assassinatos em massa, violência sexual, sendo o estupro utilizado como uma ferramenta de guerra, tortura e escravização durante esse ato, sendo contabilizados, em média, 5 mil mortos, 400 mil Yazidis desalojados e cerca de 2.800 mulheres e crianças capturadas, mantidas em cativeiro ou desaparecidas pelas mãos do Estado Islâmico. Tais ações receberam como resposta intervenções por parte dos Estados Unidos, através de ataques aéreos, e de nações aliadas a este. Através da assistência do governo americano e de grupos curdos localizados nas proximidades, os Yazidi, em grande parte, conseguiram evacuar a região e buscar alojamento em territórios próximos. No ano de 2019, parte do grupo que estava em cativeiro foi libertado, pois as forças do ISIS enfraqueceram em Sinjar.

    Tais atrocidades ocorridas foram caracterizadas como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Um acontecimento importante, relativo a este tema, foi iniciado em Abril de 2020, sendo o julgamento de Taha Al J, membro do ISIS na época do ocorrido, além de participante ativo no massacre. Al J. foi indiciado pelos dois primeiros crimes supracitados, especificamente após depoimentos e provas de que mantinha, em cativeiro, uma mãe e sua filha, de cinco anos, ambas Yazidi, sendo o principal ponto levantado na corte a morte da menina, cuja  causa foi dada como desidratação, sendo informado pela mãe da mesma que Taha Al J. havia amarrado a pequena a uma janela, desprovida de comida e água suficientes, exposta a temperaturas de aproximadamente 50 graus celsius. O simples fato desse caso ser levado à justiça representa um  grande passo para todo o grupo Yazidi, sendo um símbolo de resistência e avanço na batalha pela comprovação da gravidade dos ocorridos.

    Após quase oito anos do Massacre de Sinjar, os Yazidi permanecem sem um território para voltar, sem a certeza de segurança em uma  possível tentativa de retornar às ditas montanhas no norte do Iraque. Em números, cerca de 200 mil deles se encontram deslocados, vivendo nas proximidades de onde uma vez estiveram. Além do atentado à segurança, cultura, religião e economia desse povo curdo, foram constatadas crises mentais em vários membros Yazidi, que lidam com os traumas do passado, a incerteza do futuro, tanto relacionada a eles quanto à sua terra natal, além da preocupação de onde virá o próximo ataque.

Referências:

THE WASHINGTON POST. Who are the Yazidis, the religious minority persecuted by ISIS leader Qurayshi? 04 fev. 2022. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/2022/02/04/yazidi-religion-isis-genocide-syria/>.   Acesso em 29 abr. 2022

AMNESTY INTERNATIONAL. Germany/Iraq: World’s first judgment on crime of genocide against the Yazidis 30 nov. 2021. Disponível em: <https://www.nationalgeographic.com/history/article/140809-iraq-yazidis-minority-isil-religion-history>. Acesso em 29 abr. 2022.

UNITED NATIONS. Remarks of Under-Secretary-General Pramila Patten at the Free Yezidi Foundation Panel on Genocide and Recovery for the Commemoration of the Sinjar Massacre of 3 August 2014 03 ago. 2020. Disponível em: <https://www.nationalgeographic.com/history/article/140809-iraq-yazidis-minority-isil-religion-history>.  Acesso em 29 abr. 2022.

NATIONAL GEOGRAPHIC. Who Are the Yazidis, the Ancient, Persecuted Religious Minority Struggling to Survive in Iraq? 11 ago. 2014. Disponível em: <https://www.nationalgeographic.com/history/article/140809-iraq-yazidis-minority-isil-religion-history>. Acesso em 29 abr. 2022.