Conflito Religioso e Político no Sudão

21 de junho de 2021

Contexto histórico

Em 1956, o Sudão, país localizado no nordeste do continente africano, se tornou independente do antigo Império Britânico e da influência egípcia. Porém, desde a sua independência, o seu povo vem lutando para conseguir atingir um certo nível de estabilidade e paz. Para entender o porquê da persistência de conflitos na região, precisamos analisar acontecimentos passados e recentes, e seus impactos na atualidade.

Logo após a independência, a elite árabe do norte herdou o país e continuou a isolar e marginalizar o povo não árabe de Darfur, no oeste do país. No Sudão, ser árabe é visto como uma vantagem, enquanto ser indígena é visto com inferioridade. A elite focou os serviços e desenvolvimento na capital, Cartum, com a intenção de privar o restante da população composta por tribos indígenas africanas. Grupos de agricultores africanos indígenas e grupos de pastores árabes estão em confronto há décadas. A seca, fome, processo de desertificação e a pressão da população contribuíram para a escalada de conflitos. 

Início do conflito

Desde 2003, grupos rebeldes, entre eles o Movimento de Justiça e Igualdade e o Exército de Libertação do Sudão, lutaram contra o governo de Omar al-Bashir, acusando-o de apoiar os pastores árabes. Com o apoio do governo, a milícia árabe e muçulmana Janjaweed lutou com os rebeldes e matou milhares de civis, realizando uma limpeza étnica que deixou cerca de 300.000 mortos e 2,5 milhões de deslocados, especialmente nos primeiros anos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU)..

Além da brutalidade de Bashir, a economia do país estava em colapso. Tudo isso desencadeou um movimento pró-democracia, liderado pela Associação de Profissionais do Sudão (APS), gerando uma onda de protestos em dezembro de 2018 na cidade de Atbara, que rapidamente se espalhou por todo o país. Em 11 de dezembro de 2019, ele foi dissolvido pelo exército, que declarou estado de emergência.

Atrocidades Massivas

Durante sua ditadura de 30 anos, o ex-presidente Omar al-Bashir e outros funcionários do governo foram responsáveis por crimes contra a humanidade (homicídio, tortura, extermínio, estupro), crimes de guerra (ataque intencional a populações civis) e genocídio, condenados por isso, enquanto lutavam contra grupos armados no Kordofan do Sul, Nilo Azul e Darfur. Embora Bashir tenha sido condenado por corrupção após sua derrubada em abril de 2020, ele não foi responsabilizado por atrocidades cometidas no passado. Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagolo,  membro do Conselho Soberano – junta cívico-militar criada para governar o Sudão e estabelecida pelo Projeto de Declaração Constitucional de agosto de 2019 – também está envolvido nas atrocidades cometidas como comandante das Forças de Apoio Rápidas (RSF, na sigla em inglês), grupo paramilitar.

A violência intercomunal e os ataques de milícias aumentaram no Sudão desde o início de 2021, especialmente no oeste e no sul de Darfur. Disputas sobre propriedade de terras e competição por recursos escassos entre pastores e comunidades agrícolas levaram a confrontos violentos que são frequentemente motivados por etnias, resultando na morte de centenas de pessoas. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, aproximadamente 237.000 pessoas foram deslocadas pelo conflito em Darfur desde o início de 2021, o que é quatro vezes maior do que durante todo o ano de 2020.

Atuação internacional
O Conselho de Segurança da ONU (UNSC, na sigla em inglês) tem sido o principal ator agindo na contenção de conflitos e responsabilização dos culpados por atrocidades. Ele impôs um embargo de armas a Darfur desde 2004 e sanções a seis indivíduos desde 2006. Pelo poder de veto que a China tem, a ação do Conselho de Segurança é constantemente limitada, tendo em vista acordos entre os dois países. Após o UNSC enviar o caso ao Tribunal Penal Internacional, este emitiu 2 mandados de prisão para três oficiais sudaneses, incluindo Bashir e dois líderes de milícias governamentais por atrocidades perpetradas em Darfur. Bashir foi o primeiro líder em exercício a receber mandados do tribunal.

Em 2007, a Missão da ONU e da União Africana (UNAMID) foi criada para proteger civis, auxiliar na entrega de ajuda humanitária, bem como na proteção de agentes humanitários e intermediação do diálogo entre o governo sudanês e movimentos armados, com o objetivo de identificar as raízes dos conflitos e mediá-los. 

Em junho de 2020, o Conselho decretou o fim da UNAMID para 31 de dezembro do mesmo ano e estabeleceu a Missão Integrada das Nações Unidas para a Transição no Sudão (em inglês, UNITAMS), com o objetivo de auxiliar o Sudão por 12 meses em seu progresso na transição democrática, proteção e promoção de direitos humanos e paz, mediante os sucessivos conflitos no país. A UNITAMS foi renovada por mais um ano, até junho de 2022. 

Por fim, os Estados Unidos retiraram o nome do Sudão da lista de países financiadores de movimentos terroristas, abrindo possibilidade para que o Sudão pudesse ter acesso a empréstimos. Assistência contínua é necessária para que o Sudão consiga exercer o princípio de Responsabilidade de Proteger durante o período conturbado de sucessivos conflitos  em plena transição democrática. O UNSC e a comunidade internacional têm sido os principais atores responsabilizados, com o dever de monitoramento e auxílio neste país.

Referências

BBC. Sudan profile – Timeline. Disponível em:

<https://www.bbc.com/news/world-africa-14095300>. Acesso em: 18 de junho de 2021.

BBC. Omar Bashir: quem é o líder acusado de genocídio que o Sudão vai entregar à Justiça internacional. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51394536>. Acesso em: 20 de junho de 2021.

DW África. Sudão: Conflitos entre tribos rivais no Darfur deixam quase 50 mortos. Diponível em: <https://www.dw.com/pt-002/sud%C3%A3o-conflitos-entre-tribos-rivais-no-darfur-deixa-quase-50-mortos/a-56256383>. Acesso em: 18 de junho de 2021.

Global Centre for the Responsibility to Protect. Sudan. Disponível em:

<https://www.globalr2p.org/countries/sudan/>. Acesso em: 18 de junho de 2021.

UNAMID. Disponível em: <https://unamid.unmissions.org/>. Acesso em: 18 de junho de 2021.

UNITAMS. Disponível em: <https://unitams.unmissions.org/en>. Acesso em: 18 de junho de 2021.