Sri Lanka: Guerra e Crise Humanitária

22 de novembro de 2021

Por: Helden Calado e Maria Clara Lage

Entre o período de 1983 até 2009, o Sri Lanka foi marcado por um conflito interno travado entre os Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE), um grupo político armado que aspirava a criação de um novo Estado, e o governo central do país. A última fase da guerra civil do Sri Lanka começou a se desenvolver em janeiro de 2008, no contexto em que o governo optou por encerrar o cessar-fogo e, em resposta, o LTTE despontou uma série de ataques, inclusive em áreas civis.
Ao longo do seu desdobramento, o conflito assumiu um formato alarmante: o LTTE promoveu campanhas que culminaram na prisão de aproximadamente 250.000 civis, usando-os a fim de montar um arsenal de artilharia pesada a ser utilizado em ataques ao governo e, mesmo sob a pressão para que fosse concedida permissão de fuga para a população, apenas um baixo número de civis pôde fazê-lo. Ataques foram prontamente retomados, tanto por parte do LTTE, quanto por parte do governo, abrangendo localidades pertencentes a zonas autodeclaradas sem fogo (NFZs). Estas áreas constituem campos improvisados para deslocados internos (IDPs), de modo que hospitais e pontos de apoio das Nações Unidas foram atingidos, gerando um volume ainda maior de perda humana no conflito.
Em março de 2009, durante o apogeu da guerra civil, a ONU expressou um pedido de cessar-fogo e, em abril, o governo concedeu uma suspensão das atividades militares, a fim de incentivar a saída da população do local. Novamente, poucos conseguiram escapar.
O parecer da situação dos civis ao longo do conflito revela diversas violações humanitárias, dada a indisponibilidade de água potável, saneamento e alimentos em zonas de guerra, culminando na degradação do estado de saúde dos que estavam mantidos sob prisão, além da escassez de prestação de serviços médicos. A população se encontrava amplamente desnutrida, desidratada e ferida, conforme denotado a partir da condição dos civis que conseguiram sair. Nos campos de refúgio, o cuidado básico também não configurava uma realidade, e a vulnerabilidade aos abusos e à exploração permanecia presente.
No âmbito do conflito, a promessa outrora declarada pelo governo no que diz respeito à não utilização de armamento pesado vê-se frequentemente violada. Além disso, indivíduos seguiam sendo detidos em campos administrados exclusivamente pelos próprios militares que, por sua vez, obtiveram o monopólio jornalístico e midiático sobre o conflito; a saber, o governo protagonizou a narrativa sobre a guerra civil, promoveu políticas de restrição à informação, monitorou e manipulou o acesso de jornalistas dentro do país e lhes permitiu apenas capturar imagens nas quais a população estivesse manifestando oposição ao LTTE.
O cenário de crise humanitária foi amenizado na medida em que grupos humanitários presentes no local puderam prestar auxílio à população civil, ainda que sob a constante ameaça de serem removidos do contexto. Apesar disso, estima-se que durante os estágios finais da guerra de 2009 no Sri Lanka, até 40.000 civis foram mortos devido ao conflito.
Muito embora ambas as partes envolvidas no conflito tenham provocado expressiva baixa de civis, articula-se que o governo foi o principal responsável pelo esmagador número de mortes durante as últimas fases do conflito, de modo que o diagnóstico sobre a crise consiste na falha do governo do país em seu dever de proteger a população, descumprindo com sua parte no acordo declarado com a R2P.

Atuação internacional

No contexto internacional, a resposta ao conflito não se mostrou ágil e nem efetiva, visto que considerou-se que invocar a R2P constituiria uma ação concomitantemente contenciosa e contraproducente.
Em termos de apoio internacional, o governo do Sri Lanka contou com o vasto apoio da China, país com o qual tinha fortes laços e cooperação política. O suporte chinês garantiu que a crise ficasse de fora da pauta do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, em conjunto com o Paquistão, a China assume a posição de provedora, tanto de fundos, quanto de armamentos, abastecendo o governo cingalês.
Em razão da população indiana no Sri Lanka, a Índia hesitou em posicionar-se de maneira aberta sobre o conflito e de modo a questionar a postura do governo. Assim, em última instância, também terminou por demonstrar apoio ao governo durante o Conselho de Direitos Humanos.
Os Estados ocidentais tampouco se posicionaram de forma consistente no que diz respeito ao conflito, em destaque o governo de Obama nos EUA. A expectativa era de ações decisivas por parte do presidente americano, especialmente tendo em vista seu foco em direitos humanos, entretanto, a secretária de Estado dos EUA no contexto em que a guerra civil estava ocorrendo, Hillary Clinton, expressou que acreditava que o governo cingalês estava travando uma luta contra o terrorismo.
A narrativa de Guerra ao Terror foi amplamente explorada pelo governo da Sri Lanka e seus apoiadores, de modo que os conflitos que estavam sucedendo eram categorizados como uma questão interna sobre a qual apenas o próprio país teria competência para resolver.
Nesse sentido, ações externas foram profundamente obstruídas, o que impediu as Nações Unidas e outros Estados-membros de direcionarem grandes esforços para prevenir e resolver o conflito. Assim, tem-se que a ONU reagiu de forma inadequada à massiva baixa de civis, demonstrando uma espécie de falha sistemática em proteger a população. A demanda por atribuição, responsabilização e justiça se deu apenas após o fim do conflito, ponto no qual houve maior engajamento e mobilização por parte do sistema internacional.

Referências:

BELLAMY A.J., LUPEL A. Why We Fail: Obstacles to the Effective Prevention of Mass Atrocities, 2015

NACKERS K. Sri Lanka, in: BELLAMY A.J., DUNNE T. The Oxford Handbook of the responsibility to protect, Oxford: Oxford University Press, chapter 47, p. 876 – 894, 2016