8 de novembro de 2021
Por Antônio Pires
Conflitos generalizados na Síria
Em março de 2011, protestos pró-democracia emergiram na cidade de Deraa, sul da Síria, inspirados por levantes nos países vizinhos. Em reação, o governo utilizou força letal contra os dissidentes, fazendo com que protestos se multiplicassem por todo o país. A violência logo escalou para uma guerra civil com atuação de diversos grupos armados, incluindo os grupos terroristas Estado Islâmico e al-Qaeda.
Desde que o conflito começou, ao menos 580 mil pessoas foram mortas. A Comissão de Investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU aponta mais de 130 mil detenções arbitrárias, raptos e desaparecimentos, atribuíveis em maior parte ao governo sírio. Quase 13 milhões de pessoas foram deslocadas, incluindo 6.7 milhões de refugiados sírios. Cerca de 13.4 milhões de sírios ainda precisam de assistência humanitária, um número 20% maior em relação a 2020.
O conflito, inicialmente marcado por enfrentamentos militares de grande escala, tornou-se um conjunto de embates localizados entre grupos armados e forças governamentais. As tensões militares permanecem altas e as hostilidades envolvem diferentes atores: forças governamentais, grupos armados não estatais, grupos designados pela ONU como terroristas e 5 exércitos estrangeiros (Irã, Israel, Rússia, Turquia e Estados Unidos).
Atrocidades contra civis
Forças do governo continuam a cometer assassinatos, tortura e violência sexual como forma de política estatal no sul da Síria. Segundo a Comissão de Investigação, entre julho de 2020 e abril de 2021, foram mais de 130 assassinatos direcionados a trabalhadores médicos, ex-juízes e líderes de reconciliação. O governo também estaria impondo restrições arbitrárias sobre a liberdade de movimento e privando os indivíduos de suas propriedades nas áreas anteriormente controladas pela oposição, o que, segundo a Comissão de Investigação, pode configurar crime de guerra de punição coletiva.
Apesar de um cessar-fogo no noroeste da Síria acordado em março de 2020 entre Rússia e Turquia, escolas, mercados e instalações médicas foram atingidos por ataques de forças leais ao governo na governadoria de Idlib. No norte da Síria, o Exército Nacional Sírio e outros grupos armados apoiados pela Turquia vêm praticando tortura, violência sexual, pilhagem sistemática e detenções arbitrárias. Enquanto isso, ataques aéreos indiscriminados por forças do governo em Aleppo e no norte da Síria têm atingido vizinhanças densamente populosas, hospitais e campos de deslocados. Segundo o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários, os conflitos vêm escalando desde junho, com pelo menos 99 civis mortos e 261 feridos. Esta recente escalada é a mais significativa no noroeste da Síria desde o estabelecimento do cessar-fogo.
O relatório do Secretário-Geral da ONU sobre crianças e conflitos armados confirmou mais de 4.724 violações graves na Síria em 2020, incluindo assassinatos, mutilações e recrutamento e uso de crianças em hostilidades. Além disso, ao menos 58 mil crianças do assim chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante de 57 países continuam presas em campos de detenção esquálidos dirigidos pelas Forças de Defesa Sírias, apoiadas por curdos, no nordeste da Síria.
A Organização para Proibição de Armas Químicas documentou o uso ilegal de armas químicas na Síria, atribuíveis às forças governamentais, segundo relatórios de 2020 e 2021 do Time de Investigação e Identificação. A Comissão de Investigação também relatou 37 vezes em que armas químicas foram usadas na Síria desde março de 2013, incluindo 32 ataques cometidos pelo governo sírio.
Atuação Internacional
Desde 2013, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) adotou 27 resoluções sobre acesso humanitário, diálogos de paz e armas químicas na Síria, muitas das quais se referem à responsabilidade do governo de proteger a população, mas nenhuma foi totalmente implementada. Rússia e China vetaram em conjunto 10 resoluções rascunho e a Rússia, de forma independente, vetou outras 6. Um destes vetos impediu que o caso fosse remetido ao Tribunal Penal Internacional. Em 9 de julho, o Conselho adotou a Resolução 2585, estendendo autorização para ajuda transfronteiriça por 6 meses apesar dos esforços contrários da Rússia.
Em 21 de dezembro de 2016, a Assembleia Geral da ONU votou para estabelecer um Mecanismo Internacional, Imparcial e Independente para auxiliar nas investigações e no processamento contra os autores de atrocidades na Síria. Vários países iniciaram procedimentos judiciais domésticos contra suspeitos sob o princípio da jurisdição universal. A primeira condenação de um membro dos serviços de inteligência sírios por ser cúmplice em crimes contra a humanidade ocorreu na Alemanha, em 24 de fevereiro de 2021. Em 18 de setembro de 2020, o governo dos Países Baixos solicitou formalmente negociações com o governo sírio sobre alegações de tortura como um primeiro passo para responsabilizar a Síria por violações da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. O governo do Canadá emitiu um pedido semelhante em 4 de março. Em 21 de abril, a maioria dos Estados Partes da Convenção de Armas Químicas votou pela suspensão dos direitos e privilégios da Síria sob o tratado.
Em outubro, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, saudou a abertura da sexta rodada de negociações do Comitê Constitucional da Síria, em Genebra, pedindo envolvimento construtivo entre o governo sírio e os líderes de oposição, sob as diretrizes da Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU.
BBC. Why has the Syrian war lasted 10 years?. Disponível em: <https://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-35806229>.
Global Centre for the Responsibility to Protect. Syria. Disponível em: <https://www.globalr2p.org/countries/syria/>.
United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Daily Noon Briefing Highlights: Afghanistan – Ethiopia – Somalia – Syria. Disponível em: <https://www.unocha.org/story/daily-noon-briefing-highlights-afghanistan-ethiopia-somalia-syria>.
U.S. Department of State. Department Press Briefing – October 18, 2021. Disponível em: <https://www.state.gov/briefings/department-press-briefing-october-18-2021/#post-284853-syria>.