Venezuela: entre Crises e Crimes contra a Humanidade

13 de setembro de 2021

A crise venezuelana tem vários aspectos. O início desse processo se dá com a queda econômica do país ainda no final da década de 1980, dada a dependência com a exportação do petróleo para os EUA. Quando Hugo Chávez, militar e anti-imperialista, assumiu a presidência em 1998, propôs uma política de estatização de empresas e focou em programas sociais, gerando déficits no setor industrial e uma necessidade de importação de muitos produtos. Quando Nicolás Maduro assumiu logo após sua morte, Chávez já havia implementado um legado de repressões e ações autoritárias à imprensa, além de começar a sofrer com a alta produção de petróleo por outros países produtores e uma recente autonomia dos EUA na produção da commodity. Aliando tudo isso a uma decadência industrial, escândalos de corrupção em estatais e hiperinflação causada pela tentativa de pagar dívidas externas, uma série de protestos civis surgiram ao redor do país e foram duramente reprimidos pelo atual presidente.

Desde 2014, as forças de inteligência e segurança venezuelanas têm sido acusadas de tortura generalizada, violência sexual e de gênero, detenção arbitrária e desaparecimentos forçados na tentativa de silenciar dissidentes políticos. Agentes estatais, incluindo as Forças de Ações Especiais (FAES, na sigla em espanhol), perpetrou milhares de mortes extrajudiciais em nome do combate ao crime. 

De acordo com a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, estima-se que 8200 indivíduos foram mortos em “operações de segurança” entre janeiro de 2018 e maio de 2020. Uma organização não governamental venezuelana documentou 2853 mortes por agentes estatais apenas em 2020. Desde novembro do ano passado, o governo intensificou a perseguição contra organizações da sociedade civil, mídia independente e membros da oposição. Em junho deste ano, Bachelet alertou para padrões identificados de violações sérias e para a persistência de abusos.

Em 16 de setembro de 2020, O Conselho de Direitos Humanos da ONU organizou uma Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos (FFM, na sigla em inglês) na Venezuela, alertando que violações sérias, ao longo de 6 anos, foram autorizadas pelo alto escalão do governo, comprometido com um “ataque generalizado e sistemático” contra a população, que pode se encaixar como crime contra a humanidade. Em dezembro de 2020, o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) também afirmou que existem razões para acreditar que crimes contra a humanidade tenham sido cometidos desde, pelo menos, abril de 2017. O vídeo abaixo, produzido pelo Human Rights Group, conta o relato de vítimas diretas e indiretas da opressão sistemática.

https://www.youtube.com/watch?v=_WhOOXXq0YY

A Venezuela continua experienciando uma crise humanitária, econômica e política sem precedentes. Quando protestos em massa contra insegurança, hiperinflação e a falta de serviços essenciais surgiram em 2014, as Forças Armadas responderam de maneira desproporcional, com tortura e violência sexual. A crise política prolongada escalou em janeiro de 2019, quando o presidente Nicolás Maduro se manteve no poder para um segundo mandato. Apesar de Juan Guaidó, líder da oposição no Congresso Nacional, ter se autodeclarado presidente do país – status reconhecido por alguns países na época, dos quais boa parte já não sustenta mais esse reconhecimento -, Maduro permaneceu no controle de instituições chave e das Forças Armadas.

Civis também se mantiveram em alto risco em torno da fronteira entre Venezuela e Colômbia, onde conflitos entre forças governamentais e grupos armados aumentaram em março de 2021. A FAES e outros agentes cometeram prisões arbitrárias, tortura e execuções, com violações sistemáticas identificadas pela FFM. Mais de 5,6 milhões de pessoas deixaram o país desde 2014, e pelo menos 7 milhões estão necessitando de assistência humanitária urgente na Venezuela. Apesar de grande parte se encaixar no status de refugiado, muitos optam por outras vias legais de buscar abrigo nas regiões próximas ao país, facilitando acesso a direitos  como inserção no mercado de trabalho, educação e serviços sociais. Mesmo assim, muitos venezuelanos ainda precisam tentar uma saída irregular, o que os tira direitos e os deixam vulneráveis a crimes sexuais, escravidão, tráfico e xenofobia.

A falta de impunidade incentiva agentes do Estado a continuar cometendo possíveis crimes contra a humanidade. Assassinatos parecem parte de uma estratégia sistemática de combate ao crime e controle social. A Venezuela está encarando várias crises de segurança, com confrontações violentas recorrentes envolvendo o Estado ou gangues criminosas.

Uma nova etapa de negociação entre o governo e a oposição começou em 13 de agosto no México, com mediação da Noruega. O objetivo é estabelecer regras claras para coexistência política e social. O segundo encontro foi feito em 3 de setembro, com o objetivo principal de estabelecer um cronograma e garantias para participação de partidos contrários à Maduro nas eleições de novembro. Enquanto isso, a prisão de algumas figuras opositoras importantes e defensores de Direitos Humanos colocam em cheque se o governo de fato deseja uma reforma de políticas e práticas governamentais. O governo se recusa a cooperar completamente com a FFM e outros mecanismos de Direitos Humanos, e falha em manter a responsabilidade de proteger sua população.

Resposta Internacional

Em novembro de 2017, a União Europeia impôs o congelamento de ativos financeiros a 55 indivíduos, incluindo oficiais de governo. Os Estados Unidos estabeleceram sanções amplas ao governo venezuelano, agravando a crise humanitária. A Rússia, aliada de Maduro, tenta barrar qualquer ação dos EUA contra o país diante das estratégias internacionais. Também em 2017, países latino-americanos ativaram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, considerando o governo venezuelano uma ameaça regional, mas ações concretas nunca foram tomadas. Em fevereiro de 2018, O TPI anunciou um exame preliminar da situação venezuelana, analisando crimes cometidos desde abril do ano anterior no contexto de agitação política. Em 26 de setembro de 2018, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru requisitaram uma investigação formal sobre possíveis crimes contra a humanidade ao promotor-chefe do TPI. Em setembro de 2019, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou uma resolução estabelecendo o FFM, que foi renovado por 2 anos em 6 de outubro de 2020.

Em novembro de 2021, eleições regionais e municipais serão realizadas, e a situação política se mostra muito delicada, dado que a oposição está dividida, há desconfiança sobre as urnas e existe uma dificuldade em direcionar candidatos competitivos. Enquanto isso, Maduro segue maioria nacional com as eleições de 2020, e a crise se sustenta nos âmbitos doméstico e internacional. 

Referências:

Texto traduzido e adaptado do relatório do Global R2P sobre a Venezuela, lançado em 1 de setembro de 2021.

Como começou a crise na Venezuela?. Politize. Disponível em: <https://www.politize.com.br/crise-na-venezuela/>. Acesso em: 11 set. 2021.

Notícia. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/09/03/oposicao-e-governo-da-venezuela-discutem-eleicoes-em-retomada-de-negociacoes-no-mexico.ghtml>. Acesso em: 05 set. 2021.

Notícia. Uol. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2021/08/05/mexico-confirma-que-sera-sede-de-dialogo-entre-maduro-e-oposicao-venezuelana.htm>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Venezuela. Global R2P. Disponível em: <https://www.globalr2p.org/countries/venezuela/>. Acesso em: 01 set. 2021. 

Venezuela Making Most of the Mexican Breakthrough. Crisis Group. Disponível em: <https://www.crisisgroup.org/latin-america-caribbean/andes/venezuela/venezuela-making-most-mexican-breakthrough> Acesso em: 01 set. 2021
Venezuela. UNHCR/ACNUR Brasil. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/venezuela/>. Acesso em: 11 set. 2021.