Crianças-soldado

23 de agosto de 2021

Crianças-soldado são meninos ou meninas que servem às forças armadas do governo ou a grupos armados da oposição. Elas são recrutadas para lutar na linha de frente, em missões suicidas ou agir como espiões, mensageiros ou vigias. Meninas também costumam ser escravas sexuais.

Essas crianças podem ter ainda 8 anos de idade e, muitas vezes, são recrutadas forçadamente, através de sequestros ou de forma compulsória. Outras se alistam voluntariamente, como uma forma de sobreviver em regiões devastadas pela guerra. Por conta do desespero, elas acreditam que grupos armados são sua melhor chance de sobrevivência, depois de verem familiares torturados ou mortos por forças do governo ou grupos armados não-estatais.

Perspectiva histórica

O início do século XXI marcou o principal avanço no combate às crianças-soldado no âmbito formal-legal. Decisões como classificar o recrutamento de crianças menores de 15 anos como crime de guerra (Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, 1998), definir crianças-soldado como uma das piores formas de trabalho, bem como proibir o recrutamento compulsório de crianças menores de 18 para conflitos armados (Convenção nº182 da Organização Internacional do Trabalho, 1999) culminaram no Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança sobre o envolvimento de crianças em conflito armado.

O Protocolo foi adotado pela Assembleia Geral da ONU em 25 de maio de 2000, e entrou em vigor em 12 de fevereiro de 2002. Até o momento, 171 países assinaram e ratificaram o Protocolo, 19 não fizeram nenhuma das duas ações e 9 somente assinaram. Seus compromissos estão voltados ao primeiro princípio da responsabilidade de proteger, no qual cada Estado tem o dever de proteger sua população de atrocidades massivas. 

Dentre os seus artigos, se destacam:

  • Estados não poderão recrutar compulsoriamente menores de 18 anos para suas forças armadas, os que entrarem não poderão ser postos diretamente em combate. (art. 2 e 1)
  • Estados devem tomar todas as medidas possíveis para prevenir recrutamento compulsório – incluindo a criação de uma legislação que proíba e criminalize o recrutamento de crianças* para conflitos. (art. 3)
  • Estados irão dispensar qualquer criança que esteja sendo forçada a servir ou que foi usada em conflitos, também concederão tratamentos físicos e psicológicos para ajudá-las a se reintegrar à sociedade. (art. 6)
  • Grupos armados não-estatais não deverão, em nenhuma circunstância, recrutar ou utilizar em conflitos crianças menores de 18 anos. (art. 4)

*É importante ressaltar que criança, para a Convenção dos Direitos da Criança, significa toda aquela menor de 18 anos, salvo os casos em que, segundo a lei aplicada a crianças, a maioridade é obtida antes.

A ONU tem sido uma das maiores forças de combate às crianças-soldado. Em 1996, através de uma sessão da Assembleia Geral, estabeleceu-se o mandato do representante especial para Crianças e Conflito Armado, que visava fortalecer a proteção de crianças afetadas por conflitos armados, trazer visibilidade ao tema, veicular informações sobre as condições nas quais elas estão submetidas pela guerra, e encorajar a cooperação internacional para atuar na proteção dessas crianças. 

Em 1999, a ONU passou oficialmente a abordar a proteção de crianças em conflitos armados através de resoluções no Conselho de Segurança. Desde então, os Estados-membros e a comunidade internacional têm condenado essas práticas, e o tópico de crianças em guerra tornou-se ainda mais sensível. A ONU também incluiu a proteção de crianças em operações peacekeeping e tem apoiado a desmobilização e programas de reintegração para ex-crianças-soldado. 

Apesar de todo o progresso no combate a crianças em conflitos armados, o relatório anual mais recente da ONU mostra que os números ainda são alarmantes.

Com dados de janeiro a dezembro de 2020, o relatório contabilizou 26.425 violações graves a crianças, incluindo o recrutamento e uso de crianças em conflitos que foram seguidos de mortes ou mutilações, bem como a detenção de crianças por parte de grupos armados para recrutamento compulsório.

Os países que contabilizaram os maiores números dessas violações foram o Afeganistão, a República Democrática do Congo, a Somália, a Síria e o Iêmen, onde casos verificados de sequestro e violência sexual contra crianças aumentou em cerca de 90% e 70%, respectivamente. O sequestro está geralmente ligado ao recrutamento compulsório de crianças, que muitas vezes também sofrem violência sexual.

Desafios atuais

O coronavirus agravou a vulnerabilidade que já afetava essas crianças, dificultando o acesso à educação, saúde e serviços sociais, limitando e diminuindo os espaços nos quais crianças estavam mais seguras. Além disso, o impacto socioeconômico da doença também facilitou o recrutamento de crianças, pois elas viam a associação a grupos armados como o único jeito de conseguir o básico para sobreviver.

A falta de mecanismos e estratégias para troca de informações também tem sido um grande problema, porque, segundo o Secretário-Geral e o Conselho de Segurança, a análise de dados é crucial para a identificação e formulação de uma resposta rápida e precisa aos problemas. Essa ação eficiente é essencial para prevenir o impacto de conflitos armados em crianças, razão para os órgãos nacionais e regionais investirem na coleta de informações e desenvolvimento ou expansão de iniciativas que previnam violações graves a crianças.

Apesar dos atores que são responsáveis por proteger crianças adaptarem seus métodos de trabalho, fortalecerem o uso de tecnologia e buscarem maximizar parcerias, seu trabalho continua difícil dado o escalamento dos conflitos, onde muitas vezes há a recusa de acesso à ajuda humanitária.

Aumentando a visibilidade e mobilização global

A Representante Especial do secretário-geral para crianças e conflito armado da ONU e forças especiais dos respectivos países têm feito progresso em alguns locais, como no Afeganistão, República Centro-Africana, Nigéria, Filipinas, Sudão do Sul e Síria, que resultou na liberação de 12,643 crianças.

A Representante Especial tem cumprido as atividades de seu mandato, que inclui a publicização do terror que vivem as crianças em conflitos armados, onde precisam lutar para sobreviver e evitar punições por seus algozes, principalmente através de visitas a locais que estão na agenda de crianças e conflitos armados, advocacy e divulgação do progresso e lições aprendidas até então em suas atividades. Além disso, ela busca a mobilização global para esse combate, como através do trabalho com organizações regionais e sub-regionais – Liga Árabe, União Europeia, União Africana e OTAN.

Referências

https://childrenandarmedconflict.un.org/about/

https://childrenandarmedconflict.un.org/about/the-mandate/mandate/the-machel-reports/

https://childrenandarmedconflict.un.org/tools-for-action/optional-protocol/

https://www.hrw.org/news/2002/10/16/children-war

https://www.hrw.org/reports/childsoldiers.pdf

https://www.hrw.org/topic/childrens-rights/child-soldiers

https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/N2111309.pdf

https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-11-b&chapter=4&clang=_en

https://undocs.org/en/A/HRC/46/39