2 de agosto de 2021
Contexto Político
Em 9 de julho de 2021, o Sudão do Sul completou 10 anos de independência. O Estado mais jovem do sistema internacional conseguiu se separar do Sudão e se libertar das influências do Egito e do Reino Unido, graças ao resultado do referendo e às lutas lideradas principalmente pelo Movimento de Libertação do Povo do Sul (SPLM, sigla em inglês). A história do país é marcada por uma devastadora guerra civil e fragilidade política, militar e econômica. O próprio SPLM e sua força nacional, o outro grupo armado de maior relevância, o Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA, sigla em inglês), são formados por fracas coalizões de milícias e grupos políticos que anteriormente já haviam lutado entre si.
No poder desde 2011, o presidente Salva Kiir, da etnia dinka, maior grupo etnico do Sudão do Sul, teve como vice-presidente o rival Riek Machar, líder da segunda maior etnia, os Nuer. Alguns pontos explicam as rachaduras na administração Kiir e o início da guerra civil. Primeiro, a instabilidade no partido do governo, o presidente ignorou o gabinete e passou a tomar decisões a partir de conselheiros de sua cidade natal, a Bar El Ghazal. Segundo, em paralelo a esses problemas internos, o crescimento do número de violações aos direitos humanos por parte do regime. Terceiro, duas ameaças à sobrevivência política do presidente Kiir, que o fizeram demitir, em meados de 2013, Machar e todos os ministros do governo. Por um lado, a liderança do movimento e também partido SPLM passou a ser alvo de disputa, por outro a corrida presidencial para as eleições de 2015 começou a ser cogitada pelo líder dos Nuer.
Fora do governo, Machar acusa a administração vigente de ditatorial, outros dissidentes do partido SPLM caminham em direção ao discurso do ex-vice-presidente e reivindicam mais democracia e autoridade partidária. Em meados de dezembro de 2013, após lutas em Juba, capital do Sudão do Sul, o presidente Kiir afirma ter impedido um golpe pelas forças de Machar, ex-integrante do partido SPLM e até então principal figura opositora ao governo. O conflito tomou maiores proporções quando o exército nacional e as forças opositoras desencadearam massacres que se transformaram em seis anos de guerra civil. As diferenças étnicas exercem fortes influências nas disputas entre os grupos, porém a insatisfação dentro do SPLM e a fraqueza nas instituições políticas são variáveis importantes para explicar o contexto da guerra.
Partes envolvidas
O conflito se dá entre forças do governo e da oposição, mas com um plano de fundo delineado pela variedade étnica existente no país, que tem formações distintas dependendo da região. O norte, onde fica a capital, é constituído, predominantemente, de população muçulmana e língua árabe. Já o sul é composto por grupos étnicos variados, com maioria cristã ou animista, o que gera um desconforto quanto à representação política, com o sul alegando ser discriminado e, por isso, rejeitando as tentativas de imposição de leis islâmicas no país.
Esses grupos, em si, são rivais e já se enfrentaram diversas vezes na história local. Cada etnia acusa a outra de não representar politicamente seus interesses. Há acusações de que o partido SPLM representa apenas a etnia dinka , ignorando outras comunidades, como os nuer .
Para a construção de um governo mais estável e para o fim do conflito civil que assolava o país, foi feito um acordo de paz em 2018 entre os rivais, Salva Kiir e Riek Machar, medida que se mostrou insuficiente, devido a permanência de ataques recíprocos que se valiam do uso de armamento pesado.
A característica fundamental do conflito, entretanto, mudou. Enquanto antes, havia prevalência do exército, depois, esta passou a ser dos próprios grupos étnicos, instigados pelo governo. A etnia e a suposta fidelidade política foram usadas como critérios para o cometimento de atrocidades e alvejamentos civis.
Conflitos
A população do Sudão do Sul sofre com o aumento da violência, que inclui confrontos entre forças do governo e grupos armados da oposição. De acordo com o diretor da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (MINUSS), mais de 2000 civis morreram em conflitos armados em 2020. A Comissão de Direitos Humanos no Sudão do Sul (CHRSS, em inglês) declarou que o nível de violência pode ser maior do que o da guerra civil de 2013-2015 que assolou o país. Desde janeiro de 2021, estima-se que essa violência deslocou mais de 4 milhões de pessoas dos estados de Alto Nilo, Warab, Equatória Central e Ocidental, ou seja, um a cada três sul-sudaneses.
Instabilidade política e conflitos armados têm se difundido no Sudão do Sul pela maior parte dos 10 anos de sua independência. Entre dezembro de 2013 e agosto de 2015, aproximadamente 400.000 pessoas foram mortas em conflitos entre o exército do governo e o da oposição, cujas ações resultaram em atrocidades como crimes de guerra e crimes contra a humanidade, entretanto não houve uma tentativa substantiva de responsabilizar os culpados. O CHRSS diz que entre 2017-2019 as tropas do governo e da oposição usaram a fome de civis como arma de guerra, principalmente nos estados de Bahr al Ghazal Ocidental e Jonglei.
Além do conflito principal, outras insurgências manifestam-se pelo país devido à fragmentação étnica. Uma das principais ocorre em Equatória, um dos três maiores blocos étnicos do país, região que foi palco de origem do movimento pela libertação do Sudão do Sul de Cartum, capital do Sudão. Equatória também possui um histórico de advogar pela autonomia que se faz presente no atual conflito, onde luta paralelamente para participar das negociações de paz entre o atual governo e a oposição. A região foi marcada por mortes baseadas em questões étnicas, onde as forças aliadas a Machar alvejaram a etnia dinka, enquanto que os próprios dinka destruíram cerca de 18.000 estruturas em vilarejos da cidade de Yei, Equatória Central, até a fronteira ugandesa e congolesa, forçando a locomoção de dezenas de pessoas. Ainda houve uma imensa quantidade de violência sexual a mulheres, também na parte central da região, que muitas vezes está ligada à ideia de consolidação e dominação de um grupo étnico.
Atuação Internacional
A diplomacia dos parceiros do Sudão do Sul foi essencial para o acordo de paz estabelecido em 2018 que, por sua vez, resultou em um cessar-fogo e uma coalização entre o governo de Kirr e o da oposição em 2020. A MINUSS foi uma missão estabelecida por um período de um ano, sob a Resolução 1996 (2011) do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), com a possibilidade de renovação, se for preciso. Desde então a MINUSS foi renovada constantemente, uma vez que o CSNU determinou que a situação no Sudão do Sul continua sendo um obstáculo para a paz internacional na região. Atualmente, através da Resolução 2567 (2021), o CSNU estendeu a missão até 15 de março de 2022, enfatizando que “o governo do Sudão do Sul tem a responsabilidade primária de proteger sua população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade”.
O objetivo dessa missão inclui 4 pilares: proteger civis, criar condições propícias à ajuda humanitária, fornecer assistência à manutenção da paz através do acordo assinado em 2018 e monitorar, investigar e reportar violações aos direitos humanos. O Conselho também determinou que a MINUSS deveria avançar uma estratégia de três anos para prevenir o retorno da guerra civil, construir uma paz estável e apoiar um governo responsável e inclusivo, bem como eleições livres, justas e sem confrontos, conforme estabelece o acordo de 2018.
O Alto Comissariado de Direitos Humanos e a CHRSS alertaram quanto ao aumento de conflitos regionais no Sudão, o que só tende a piorar conforme as eleições se aproximam em 2022. Uma das soluções que a comunidade internacional almeja, bem como as minorias étnicas do país, especialmente os equatorianos, é a mudança no modelo político majoritário, onde o vencedor leva tudo, cuja aplicabilidade no país é muito criticada devido à sua multiplicidade étnica, que pede mais autonomia e representação para as comunidades e regiões do país. Todavia, a etnia dos dois principais grupos do Sudão do Sul, a do presidente (dinka) e do seu vice (nuer), descartam a ideia.
Durante sua 46ª sessão, em março de 2021, o Conselho de Direitos Humano da ONU (CDH) adotou duas resoluções no Sudão do Sul, estendendo o mandato da CHRSS até março de 2022 e requisitou que o Alto Comissariado fornecesse assistência técnica ao governo na monitoração de direitos humanos e na justiça de transição.
Referências
Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2021/7/9/south-sudans-bloody-first-10-years.
Al Jaazera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2021/7/9/kiir-pledges-peace-as-south-sudan-marks-decade-of-independence.
Council on Foreign Relations. Civil War in South Sudan. Disponível em: https://www.cfr.org/global-conflict-tracker/conflict/civil-war-south-sudan
G1. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/07/entenda-os-fatores-envolvidos-na-independencia-do-sudao-do-sul.html.
Global Centre for the Responsibility to Protect. Disponível em: https://www.globalr2p.org/publications/atrocity-alert-no-98-yemen-south-sudan-and-iraq/.
Global Centre for the Responsibility to Protect. Disponível em: https://www.globalr2p.org/publications/atrocity-alert-no-90-democratic-republic-of-the-congo-afghanistan-and-south-sudan/.
Global Centre for the Responsibility to Protect. South Sudan. Disponível em: https://www.globalr2p.org/countries/south-sudan/.
International Crisis Group. South Sudan: From Independence to Civil War. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/horn-africa/south-sudan/south-sudan-independence-civil-war.
International Crisis Group. South Sudan’s Other War: Resolving Insurgency Equatoria. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/horn-africa/south-sudan/b169-south-sudans-other-war-resolving-insurgency-equatoria.
International Crisis Group. Toward a Viable Future for South Sudan. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/horn-africa/south-sudan/300-toward-viable-future-south-sudan.
UNMISS. Disponível em: https://unmiss.unmissions.org/background.