Conselho de Segurança, Responsabilidade de Proteger e Atrocidades Massivas

26 de julho de 2021

CSNU e Manutenção da Paz

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é formado por representantes de 15 países – 5 membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e 10 eleitos para mandatos de 2 anos –, que se reúnem para tomar decisões quanto à manutenção da paz e da segurança internacional. 

Em 1945, ano de criação da ONU, a preocupação da comunidade internacional era centrada em impedir a ocorrência de novas guerras entre os Estados. No entanto, com o aumento da ocorrência de conflitos dentro dos Estados no final dos anos 80 e, principalmente, devido aos massacres em Ruanda e Srebrenica nos anos 90, o Conselho de Segurança foi instado a se posicionar com mais veemência sobre questões de direitos humanos e atrocidades massivas. A evolução de conceitos como “Responsabilidade de Proteger” (R2P) e a inclusão da agenda de “Proteção de Civis em Conflitos Armados” aumentou as expectativas em torno da capacidade e da responsabilidade do órgão de agir para impedir atrocidades massivas e crimes contra a humanidade. 

Atuação do CSNU

Uma vez diante de uma situação de conflito, o Conselho possui algumas ferramentas para investigar e agir, de modo a atingir uma solução. Em primeiro lugar, segundo o artigo 34 da Carta da ONU, o Conselho pode requerer missões de avaliação para reunir conhecimento quanto à possibilidade de uma determinada situação se tornar um perigo à manutenção da paz e da segurança internacional, além de convidar às reuniões representantes de países que não são membros do Conselho, atores não estatais, ONGs e até mesmo indivíduos.

Se o CSNU considera que precisa atuar em uma situação específica, os primeiros passos tendem a envolver pressão diplomática através de pronunciamentos publicados pelo Presidente do Conselho ou de resoluções, condenando determinados atos. Com o agravamento do conflito, o Conselho pode se valer de ferramentas mais drásticas, dispostas no Capítulo VII da Carta da ONU. Ainda sem recorrer ao uso da força, o Conselho pode aplicar sanções econômicas a indivíduos e entidades que estariam envolvidos em violações de direitos humanos, com monitoramento feito a partir de comitês especializados. Além disso, após a entrada em vigor do Estatuto de Roma instituindo o Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2002, o Conselho ganhou a prerrogativa de remeter casos de violações de direitos humanos ao Tribunal. Em março de 2005, o Conselho remeteu ao TPI a situação em Darfur, no Sudão, e, em 2011, a situação na Líbia.

Em última instância, também sob o Capítulo VII, o Conselho pode recorrer ao uso da força, o que pode ser feito em diferentes graus, a depender da fase e da gravidade do conflito. Operações de paz, como missões de peacekeeping, podem ser enviadas com consentimento das partes em conflito e mínima utilização da força, que estaria restrita a casos de legítima defesa. Tradicionalmente, estas missões tinham como objetivo principal supervisionar acordos de cessar-fogo, mas se tornaram multidimensionais com a inclusão de elementos civis e atividades relacionadas, por exemplo: a investigações de violações de direitos humanos, exercício de funções de polícia, assistência no restabelecimento das funções estatais e monitoramento de eleições. Em última instância, o Conselho pode autorizar medidas militares para impedir violações massivas de direitos humanos, mesmo sem consentimento das partes envolvidas no conflito.

Consenso e ação no CSNU

O desenvolvimento do conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P) tem íntima relação com a prática do CSNU. O Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS) menciona os casos da Somália, Ruanda, Bósnia e Kosovo como exemplos de situações em que o Conselho de Segurança falhou em proteger populações vulneráveis. Além disso, o documento enfatizou o papel central do Conselho de Segurança para decidir sobre intervenções militares à luz da R2P. 

Um dos principais desafios do CSNU é a construção de consenso entre seus membros, que pode ser obstaculizada pelo uso do veto pelos membros permanentes. Em 2014, Rússia e China vetaram a possibilidade de remeter a situação da Síria ao Tribunal Penal Internacional. Além disso, uma vez que é formado por apenas 15 membros, existem debates sobre a legitimidade de suas decisões e necessidade de reforma. O relatório da ICISS destaca a proposta de um “código de conduta” para os 5 membros permanentes em casos nos quais uma ação é necessária para impedir crises humanitárias, de modo que não usem o veto quando o interesse nacional não estiver envolvido. Diante disso, proteger civis em conflitos e impedir atrocidades massivas são desafios que dependem em grande parte do sucesso do CSNU em tomar decisões baseadas nos pilares da R2P de forma conjunta e no momento preciso, para que as catástrofes humanitárias anteriores não se repitam.

A atuação da ONU para impedir atrocidades massivas

Diante de situações de ameaça à paz e à segurança internacional, a ONU possui diferentes mecanismos para buscar a resolução dos conflitos e promover a cooperação, desde medidas diplomáticas até o uso da força. São basicamente cinco tipos de atuação, explicados nos tópicos a seguir: prevenção de conflitos, peacemaking, peacekeeping, peacebuilding e peace enforcement

Prevenção de conflitos

A prevenção de conflitos ou diplomacia preventiva consiste em evitar que disputas surjam entre as partes, evitar que disputas existentes evoluam e se tornem conflitos e, caso isso não seja possível, evitar que os conflitos se espalhem. Ela seria praticada pessoalmente pelo Secretário-Geral da ONU, através de sua equipe, de agências e programas especializados, pelo Conselho de Segurança, pela Assembleia Geral ou por organizações regionais em cooperação com a ONU. A construção de confiança é o objetivo da diplomacia preventiva, o que dependeria de medidas como fact-finding, para coleta de informações sobre tendências sociais e econômicas que podem causar conflitos, que por sua vez serviriam para fornecer avisos prévios sobre ameaças à paz.

Peacemaking

O peacemaking possui íntima ligação com o de prevenção de conflitos, com foco em reunir as partes em conflito para elaboração de acordo por meios pacíficos. A negociação e mediação têm papel central neste processo e poderiam ser executadas por indivíduos designados pelo Conselho de Segurança, pela Assembleia Geral ou pelo Secretário-Geral. No Relatório Brahimi e na Doutrina Capstone, este rol inclui também grupos não oficiais e não governamentais, além de personalidades eminentes trabalhando independentemente. Exemplos de peacemaking são o cessar-fogo Irã-Iraque em 1988, a libertação dos reféns ocidentais no Líbano em 1991, e a prevenção da guerra entre Irã e Afeganistão em 1998.

Peacekeeping

Missões de peacekeeping são iniciadas pelo CSNU para preservar a paz, ainda que frágil, em situações onde o embate tenha sido interrompido, e para auxiliar na implementação de acordos alcançados pelos peacemakers. Até o fim da Guerra Fria, as operações de peacekeeping visavam o monitoramento de acordos de cessar-fogo por observadores militares em cenários de guerra interestatal, para gerar confiança entre as partes. O peacekeeping é guiado pelos princípios de consentimento das partes, imparcialidade e não uso da força, exceto para legítima defesa e defesa do mandato da missão. As duas primeiras operações (Oriente Médio e Índia-Paquistão) iniciaram nos anos 1940 e continuam até hoje.

Diante da complexidade dos conflitos internos, crescentes no pós-Guerra Fria, e da preocupação com as causas dos conflitos e com estratégias de conclusão das missões, surgiu a ideia de peacekeeping multidimensional, empregando um conjunto de capacidades militares, civis e policiais para auxiliar na implementação de um acordo. Tais operações têm lugar no momento imediatamente posterior à estabilização de um conflito, quando a ordem pública ainda é muito frágil, a infraestrutura está destruída e a população deslocada e dividida, com a função de criar um ambiente seguro fortalecendo a capacidade estatal de prover segurança, facilitar o processo político promovendo o diálogo e garantir a atuação de outras agências da ONU e de atores internacionais, por exemplo, na entrega de ajuda humanitária. Esse tipo de atuação é fundamental no início das atividades de peacebuilding. Além disso, as possibilidades de uso da força se tornaram mais amplas. Em situações onde há grupos armados que podem ameaçar o processo de paz, as missões podem receber mandatos robustos, com autorização para utilizar todos os meios necessários para deter tentativas de romper o processo político, para proteger civis sob iminente ameaça de ataque físico e auxiliar autoridades nacionais na manutenção da lei e da ordem. 

Peacebuilding

O Peacebuilding é pensado para uma fase pós-conflito e consiste em atividades de longo prazo para evitar que o conflito ressurja, várias das quais estão no âmbito dos vários programas, fundos, escritórios e agências do sistema ONU, com foco na criação de estruturas para institucionalização da paz, e fortalecimento da capacidade estatal. As atividades podem ocorrer após negociação de um acordo com disposições de longo prazo para lidar com as causas profundas do conflito (políticas, econômicas e sociais), ou em relação a um conflito potencial ou passado, sem que tenha havido operação de peacekeeping anterior.

As atividades de peacebuilding podem ser resumidas em quatro áreas: restaurar a habilidade estatal de fornecer segurança e manter a ordem pública, fortalecer o Estado de Direito e o respeito aos direitos humanos, apoiar a emergência de instituições políticas legítimas e processos participativos, promover recuperação e desenvolvimento social e econômico, incluindo retorno seguro ou reassentamento de pessoas internamente deslocadas e refugiados. Até meados de 1999, as Nações Unidas tinham conduzido apenas um pequeno número de operações de campo com elementos de condução ou supervisão de administração civil, mas em junho de 1999 o Secretariado se encontrou na posição de desenvolver uma administração civil transicional para o Kosovo, e três meses depois para o Timor Leste.

Peace enforcement

Por fim, o peace enforcement compreende medidas coercitivas dispostas no Capítulo VII da Carta da ONU contra ameaça à paz, quebra da paz ou ato de agressão, levadas a cabo por grupos de Estados membros autorizados e organizações e agências regionais pelo CSNU, uma vez que a ONU não possui forças armadas próprias. Diferentemente da operação de peacekeeping robusta, o uso da força não requer consentimento das partes e existência de processo político, podendo envolver a força militar em nível estratégico ou internacional.

A imposição de sanções também faz parte desta categoria, ainda que não haja uso de força militar e não possua finalidade punitiva, nem retributiva. Como resultado da preocupação quanto ao impacto humanitário de sanções amplas, o CSNU interrompeu seu uso após os casos do Iraque, da Iugoslávia e do Haiti, passando a direcionar sanções aos beligerantes e policy makers mais diretamente responsáveis pelos atos repreensíveis.

Conclusão

         As fronteiras entre prevenção de conflitos, peacemaking, peacekeeping, peacebuilding e peace enforcement se tornaram cada vez menos claras. As operações de paz da ONU raramente se limitam a um só tipo. O peacekeeping é iniciado para apoiar implementação de acordos, mas também se envolve em esforços de peacemaking e peacebuilding, além de poder utilizar a força a partir de mandatos robustos. Além disso, estas formas de atuação da ONU raramente ocorrem de maneira linear. A prevenção de conflitos, por exemplo, é pensada para evitar que um conflito ocorra e para que ele se repita, sendo, portanto, uma preocupação para antes, durante e depois do conflito. Os diferentes tipos de operações de paz precisam, portanto, ser pensadas de forma integrada, dentro da ideia de multidimensionalidade, para auxiliar no processo de restauração, manutenção e consolidação da paz.

Referências

BOUTROS-GHALI, B. An agenda for peace. New York: United Nations, 1992.

______. Supplement to an agenda for peace. New York: United Nations, 1995.

BRAHIMI, L. Report of the Panel on United Nations Peace Operations. New York: United Nations, 2000.

INTERNATIONAL COMMISSION ON INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY. The Responsibility to Protect: Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, 2001. 

KOLB, A. S. The UN Security Council Members’ Responsibility to Protect: A Legal Analysis. 1st ed. ed. [S.l.]: Springer, 2018.

2005.______. United Nations peacekeeping operations: principles and guidelines. New York: [s.n.], 2008.