31 de agosto de 2022
Autora: Leticia Souza
Em 28 de julho de 2022, a Assembleia Geral da ONU passou uma resolução que tornava o acesso a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável um direito humano. O estímulo para isso é o fato de que, atualmente, o planeta enfrenta uma crise ambiental tripla: mudança climática, poluição e perda de biodiversidade.
Há dois fatores de risco relevantes: incentivos e incitações. Incentivos incluem aumento da desigualdade, escassez de água e comida, e manipulação política de acesso a recursos naturais. Incitações incluem mudanças drásticas, como secas e desastres naturais. Isso significa que a crise ambiental pode servir de incentivo e/ou incitação para conflitos.
A relação entre esses fenômenos e atrocidades massivas é complexa e dependente do contexto; contudo, é importante reconhecer que conflitos mortais e instabilidade política contribuem para a questão ambiental, assim como são gerados e piorados por ela. A mudança climática, especificamente, é reconhecida como um “amplificador de ameaças”: ela pode intensificar a fome, pobreza, desertificação, escassez, enchentes, secas, competição por recursos e migração forçada.
Em um contexto de conflitos armados e disputas territoriais, há potencial de gerar genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. A ausência de regulamentação e fiscalização da mineração, as barragens, o desmatamento, a falta de sistemas de saneamento e as indústrias altamente poluentes podem levar a uma série de violações dos direitos humanos. Cidadãos comuns, ativistas e indígenas podem sofrer intimidação, assédio do sistema jurídico e até assassinato. Grupos extremistas já têm se mobilizado por conta de inseguranças e disputas relacionadas ao clima.
Darfur, América Central e Sahel mostram conflitos iniciados pela disputa por acesso a recursos naturais. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 40% das guerras civis nas últimas seis décadas estão ligadas a combates por recursos. Além disso, em 2020, desastres naturais foram a razão de ¾ (três quartos) dos deslocamentos forçados registrados, 30.7 milhões de pessoas naquele ano.
Populações de países afetados por conflitos são os mais vulneráveis à crise ambiental, sendo as atrocidades massivas o resultado da convergência dela com o histórico político e o desenvolvimento econômico. Apesar disso, é importante prestar atenção a casos como o Canadá, Europa, Austrália e Brasil, que nos últimos meses vêm sofrendo com queimadas, enchentes e perseguição de ativistas.
Há dois casos paradigmáticos hoje em como a crise climática afeta os direitos humanos e é um amplificador de ameaças: O Chifre da África e a América Central.
Chifre da África
No Chifre da África, há uma seca que já dura quatro ciclos de chuva consecutivos, indo para a quinta no segundo semestre. É a maior seca em quarenta anos e afeta todos os países da região, incluindo o Quênia e a Somália.
Com a falta de chuvas no Quênia, pastores de regiões áridas e semi-áridas levam seu gado para Laikipia. Essa locomoção gera rivalidade entre as comunidades de pastores pela áreas férteis do local, principalmente entre os Pokot, Samburu e Turkana, e entre esses grupos e donos de fazendas e ranchos, que têm sua propriedade invadida pelo acesso a água e pasto. As mortes do gado pela seca no país somam 1,5 milhões e 4 milhões de pessoas enfrentam a fome.
A questão envolve também o aumento do preço dos fertilizantes – decorrido da COVID-19 e da guerra na Ucrânia – e uma herança histórica pelo acesso à região abastada que remonta à colonização e que foi usada como pauta política nas eleições de agosto, em que muitos candidatos incitavam a invasão das propriedades privadas em Laikipia. Além disso, registra-se roubo de animais entre as comunidades.
Na Somália, décadas de conflitos e instabilidade são amplificadas pelas crises ambientais. 100 mil novos deslocamentos internos foram registrados em maio de 2022 devido à seca, conflitos, violência sexual e de gênero por grupos como o Al-Shabaab e insegurança alimentar. 200 mil pessoas enfrentam um nível catastrófico de fome no país, e 7,7 milhões dependem de ajuda humanitária. A seca tem contribuído com os deslocamentos, com o aumento da violência pelo acesso a água e pasto, com o aumento do custo de produtos básicos e com a morte do gado.
América Central
Pobreza, violência e corrupção nos governos não são os únicos fatores que geram emigração em países da América Central, tendo as condições climáticas também levado as pessoas a deixar suas casas. É uma das regiões mais vulneráveis do mundo à mudança climática, pois cerca de 30% do território está no chamado “Corredor-Seco”, uma floresta tropical seca que vai do sul do México até o Panamá. As características da região apontam o impacto do aumento do nível do mar, furacões e secas que já afetam a região desde 2014.
A incidência de tempestades, alagamentos e falta de chuva está ameaçando o setor da agricultura, muito forte em países como Honduras, Nicarágua, Guatemala e El Salvador. Esse impacto econômico, junto a altos níveis de pobreza e fragilidade institucional, amplificam inseguranças, gerando oportunidades para grupos criminosos escalarem sua atuação, criando tensões com o governo que levam a mais deslocamentos forçados.
Referências:
International Institute for Strategic Studies (IISS)
The Years Project
https://theyearsproject.com/latest/climate-change-is-hitting-central-america-hard-here039s-why
Reuters
https://www.reuters.com/world/africa/northern-kenya-drought-may-keep-some-herders-voting-2022-08-02/
Crisis Group
Norwegian Refugee Council (NRC)
Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitárioshttps://reliefweb.int/report/somalia/drought-somalia-worsening-catastrophic-hunger-crisis
Global R2P
Internal Displacement Monitoring Centre
https://www.internal-displacement.org/research-areas/Displacement-disasters-and-climate-change
Human Rights Watch
https://www.hrw.org/pt/topic/environment
Crisis Group
https://globalclimate.crisisgroup.org/
UN News