Camarões: conflito separatista assola país

7 de março de 2022

Autora: Maria Clara Lage

O mês de outubro de 2016 marcou o início de um conflito separatista em Camarões. A guerra civil, também conhecida como Crise Anglófona, foi travada entre o Governo Central do país e o movimento separatista da República da Ambazônia. Os separatistas clamavam pela instituição de seu próprio Estado, dadas as circunstâncias de constantes políticas discriminatórias sob as quais estava submetida a minoria anglófona do país. A anglofonia se refere aos aspectos político-culturais dos falantes do idioma inglês, que estavam em posição de prejuízo político, cultural e econômico em relação aos falantes do idioma francês.

A tensão entre os grupos anglófonos e francófonos tem suas origens no período colonial de Camarões, cujo processo de descolonização é questionado até o momento hodierno pelos falantes do idioma inglês, que desejam separar-se do restante do país, de maioria francófona. Em 2016, a indicação de juízes francófonos para a região anglófona marcou o início das hostilidades. O Consórcio da Sociedade Civil Anglófona Camaronesa, composta de advogados e professores, iniciou uma série de greves e protestos em resposta à atitude do governo central, que foi interpretada como uma ameaça à commom law. A represália do governo central resultou na prisão de cerca de 100 camaroneses anglófonos.

Os protestantes adotaram, então, uma estratégia chamada “cidade fantasma”, na qual os camaroneses anglófonos sabotariam escolas e comércio todas as segundas-feiras do mês. Em resposta, o governo central cortou o acesso à internet dos camaroneses falantes de inglês por mais de 3 meses. Os manifestantes passaram a ser vistos pelo governo central como uma ameaça à segurança nacional.

A declaração da guerra, no entanto, constitui o estopim das hostilidades. O grupo de Forças de Defesa da Ambazônia almejava tomar a posse da região, clamando por independência para a população anglófona e alegando que o governo central, além de ilegítimo, promovia abusos de direitos humanos. Os camaroneses da região da Ambazônia clamavam pelo seu direito à autodeterminação, escancarando as raízes identitárias da crise e, em outubro de 2017 foi redigida uma declaração unilateral de independência da região pela Frente Unida do Consórcio da Ambazônia dos Camarões do Sul, cuja organização foi essencial para a mobilização e a coordenação dos movimentos separatistas.

O impacto humanitário da guerra civil é alarmante: cerca de 1.850 pessoas pereceram, 530.000 pessoas entraram em situação de deslocamento interno e 35.000 foram refugiados em países vizinhos. Além disso, diversas outras circunstâncias demonstram o impacto negativo do conflito armado para o país: escolas permaneceram fechadas por quase dois anos, os níveis de violência aumentaram exponencialmente, e há relatos sobre violência de gênero, nos quais se alega que mulheres foram violentadas física e sexualmente por parte de membros do Estado. O governo central, entretanto, negou estas acusações.

Além dos conflitos entre movimentos separatistas e governo central, há duas correntes principais dentro dos separatistas que reivindicam a legitimidade do governo local, o Governo Interino da República Federal da Ambazônia e o Conselho de Governo da Ambazônia. As divergências entre os dois grupos também resultaram em mortes durante o desenvolvimento da crise.

No ano de 2019, líderes de movimentos separatistas passaram por um julgamento de alta complexidade, visto que abriram mão de sua nacionalidade camaronesa. Apesar de terem sido condenados à prisão perpétua, a sentença do julgamento não foi reconhecida enquanto válida. Além disso, um passo importante para o conflito foi tomado na medida em que se estabeleceu que o Conselho de Libertação de Camarões do Sul constituiria uma frente única responsável por levar à frente os diálogos com o governo central. O governo central declarou, entretanto, que estava disposto ao diálogo com os grupos, mas que a separação das regiões não seria tolerável.

Após ganhar ampla visibilidade internacional, a União Europeia proclamou um apelo ao Conselho de Segurança da ONU para debater o conflito. Países como os EUA apoiaram o clamor dos movimentos separatistas e defendiam que o governo central deveria considerar a separação das regiões. Outros países, como Alemanha e Canadá, condenaram ambas as partes pelos danos causados à população civil em decorrência do conflito armado.

Em 2020, mais um trágico episódio veio à tona, na qual 22 pessoas foram mortas, dentre as quais a maioria eram crianças. Os créditos por tal ataque foram atribuídos às forças armadas camaronesas. O cenário conflituoso e violento persiste no país, visto que o governo e os movimentos separatistas não puderam entrar num diálogo benéfico para as partes. Em 2022, o Camarões é a sede da Copa Africana de Nações, de modo que a crise armada apresenta um sério risco ao evento esportivo.

Referências:

Disponível em: <https://gedes-unesp.org/as-divisoes-linguisticas-no-conflito-em-camaroes-o-movimento-separatista-da-republica-da-ambazonia/>. Acesso em: 05/03/2022.

Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/v.-6-n.-4-ago-2019—o-conflito-separatista-no-camaroes.pdf>. Acesso em: 05/03/2022.

Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/viol%C3%AAncia-quotidiana-nos-camar%C3%B5es-sem-fim-%C3%A0-vista/a-56130396>. Acesso em: 05/03/2022.

Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/01/03/conflito-separatista-e-ameaca-a-copa-africana-de-nacoes-no-camaroes.htm>. Acesso em: 05/03/2022.