Nicarágua: Ortega e Crimes Contra a Humanidade

20 de dezembro de 2021

Por: Maria Clara Lage

Contexto geral

Em abril de 2018, mediante uma grave crise política na Nicarágua e em resposta à reforma da Seguridade Social proposta e imposta pelo governo, a população civil iniciou uma série de protestos exigindo o fim do regime do presidente Daniel Ortega. Estes episódios, entretanto, seriam apenas o início de uma ulterior tragédia contra a humanidade.

Através de um relatório elaborado e apresentado por 15 organizações humanitárias do país, contando com amplo apoio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foram descritas e detalhadas as diversas atrocidades cometidas pelo governo de Ortega contra a própria população civil, em uma série de eventos cujos principais objetivos eram conter, reprimir e impedir a continuidade de protestos em massa antagônicos ao regime.

A represália promovida pelo governo contou com a participação tanto da Polícia Nacional, quanto do Ministério Público e do Sistema Judicial, de modo que Ortega contou com a disponibilidade de todo um aparato institucional para respaldar as mortes, prisões e torturas em série. Assim, constitui-se um cenário de abuso do uso das forças governamentais em uma repreensão extremamente violenta, além do enfraquecimento da separação de poderes e, por consequência, a vulnerabilidade do estado democrático de direito no país.

Os manifestantes, além das críticas às ações do governo, denunciavam o caráter supostamente inconstitucional e ilegítimo das eleições presidenciais que elegeram Ortega, uma vez que o presidente se encontrava em uma situação na qual não haviam oponentes elegíveis, visto que nos sete meses precedentes às eleições, vários presidenciáveis foram detidos. Ademais, três partidos políticos que poderiam se opor ao presidente passaram por processos de dissolução.

Relatório de atrocidades cometidas

O documento que veio a público, chamado “Relatório da Verdade – Ditadura e Repressão na Nicarágua: Luta Contra a Impunidade”, expõe um ambiente de frequentes violações aos direitos humanos dos civis por meio de ações implementadas sob ordem do próprio governo e suas respectivas instituições públicas, bem como grupos armados apoiadores do governo. Assim, foi estabelecido um contexto de repressão violenta à sociedade civil, incluindo a utilização de armas de fogo, resultando na morte de cerca de 355 pessoas, num montante de 2000 feridos e 1614 detidos, além da dispensa e expulsão dos cargos a profissionais de diversas áreas, incluindo professores e profissionais da saúde. Cerca de 114 alunos também foram expulsos da Universidad Nacional Autónoma de Nicaragua. Ademais, os protestos foram criminalizados, proibidos e foram apontadas também prisões clandestinas e arbitrárias, além de ampla censura midiática e do exílio de manifestantes.

O relatório diagnostica as investidas de Ortega como verdadeiros crimes contra a humanidade, gerando um cenário de terror estatal, de modo que analistas denotam o cunho deliberativo do governo em matar a população que se manifestava, quase que num tipo de “operação de limpeza”. 

Atuação Internacional

O apoio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se mostra fundamental para agregar credibilidade aos relatos expostos no relatório. A organização denunciou as ameaças ao estado de direito na Nicarágua e clamou pela restituição dos direitos humanos e das liberdades individuais da população nicaraguense. O Interdisciplinary Group of Independent Experts (GIEI), em dezembro de 2018, produziu um outro relatório confirmando e respaldando as informações previamente expostas sobre o caso do país, gerando um diagnóstico de ataque sistemático do governo contra sua própria população, constituindo um crime contra a humanidade sob a luz do Direito Internacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos demonstrou suporte às recomendações do GIEI de promover uma reforma institucional que pudesse garantir a preservação dos direitos humanos ao país, bem como assegurar um julgamento imparcial dos atos cometidos durante a crise.

Referências:

NICARAGUA: Report by independent experts affirms that the government of President Ortega has committed crimes against humanity. Amnesty International, 2018. Disponível em: <https://www.amnesty.org/en/latest/news/2018/12/nicaragua-report-by-independent-experts-affirms-that-the-government-of-president-ortega-has-committed-crimes-against-humanity/>. Acesso em: 17/12/2021.

DANIEL Ortega responsável por “crimes contra a humanidade” na Nicarágua, acusa relatório. RTP Notícias, 2021. Disponível em: <https://www.rtp.pt/noticias/mundo/daniel-ortega-responsavel-por-crimes-contra-a-humanidade-na-nicaragua-acusa-relatorio_n1364231>. Acesso em 17/12/2021.

MALDINAS, Carlos. Cem dias de protesto e repressões na Nicarágua. El País, 2018. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/25/internacional/1532533355_700173.html>. Acesso em: 17/12/2021

CIDH denounces the weakening of the rule of law in the face of serious human rights violations and crimes against humanity in Nicaragua. IACR, 2019. Disponível em: <https://www.oas.org/en/iachr/media_center/PReleases/2019/006.asp>. Acesso em: 17/12/2021.

INFORME sobre los hechos de violencia ocurridos entre el 18 de abril y el 30 de mayo de 2018. GIEI NICARAGUA, 2019. Disponível em: <https://gieinicaragua.org/giei-content/uploads/2019/01/GIEI_INFORME_DIGITAL_10_01_2019.pdf>. Acesso em: 17/12/2021.