6 de dezembro de 2021
Por: Maria Clara Lage
Entre os anos de 1991 e 2002, Serra Leoa foi cenário de um conflito armado iniciado pela Frente Revolucionária Unida (RUF), grupo cuja ambição era a derrubada do governo central do país. Inicialmente, a fim de defender o governo, o exército do país contou com o apoio do Grupo de Observadores Militares (ECOMOG) e da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Numa virada decisiva sobre os rumos do conflito, entretanto, o próprio exército protagonizou a derrubada do governo um ano depois. Concomitantemente, a RUF manteve suas investidas.
Em 1995, num dos capítulos importantes da guerra civil de Serra Leoa, as Nações Unidas e a Organização da Unidade Africana negociaram soluções para pôr um fim ao conflito. Isso resultou na devolução do poder ao governo civil, aspecto que se materializou nas eleições realizadas no ano de 1996, nas quais o exército reconheceu a vitória dos candidatos eleitos. Porém, o RUF não o fez, expressando sua crença na ilegitimidade do governo e continuou os ataques. Nesse contexto, o enviado especial das Nações Unidas, Sr. Berhanu Dinka, tentou estabelecer um acordo de paz que, por sua vez, foi frustrado em decorrência de um golpe de estado protagonizado pelo exército em parceria com a Frente Revolucionária Unida.
Em 1997, a fim de tentar frear a junta governante, o Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu um embargo de petróleo e armas, cuja implementação ficou sob responsabilidade da CEDEAO e do ECOMOG. No mesmo ano, uma vez mais, se estabeleceu um acordo de paz. Dessa vez, um dos principais objetivos era organizar um cessar-fogo, promovendo a cooperação entre a CEDEAO, o ECOMOG, as Nações Unidas e o ACNUR, a fim de que cada organização cumprisse as ações coerentes de acordo com sua competência.
Em 1998, em resposta a um ataque da junta governante do exército e da RUF, a ECOMOG instituiu um ataque militar que culminou na dissolução da junta. Apesar disso, surgiram críticas ao feito, tendo em vista as alegações de que a ECOMOG teria agido sem autorização. A justificativa do ataque, entretanto, se consistiu nas práticas brutalmente violentas do governo em relação à sua própria população, que esteve exposta a violações constantes dos direitos humanos, com a consequência de 50.000 a 75.000 civis mortos, 1.5 milhões de civis deslocados e 430 de civis vítimas de destruição de propriedade.
A literatura argumenta que as violações humanitárias durante o conflito em Serra Leoa chegam a constituir genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e apesar de os ataques violentos serem majoritariamente atribuídos ao RUF, o governo esteve constantemente envolvido em eventos destrutivos. Um dos aspectos marcantes do conflito foi, inclusive, a utilização de crianças-soldado. Além disso, a quantidade de civis em situação de refugiados e internamente deslocados era alarmante.
Atuação internacional
No ano de 1998, o Conselho de Segurança das Nações Unidas criou a Missão de Observação das Nações Unidas em Serra Leoa (UNAMSIL), cujo principal objetivo consistia no monitoramento e aconselhamento do processo de desarmamento do conflito, bem como da reestruturação das forças de segurança do país. Entretanto, tais feitos não configuram o fim dos conflitos, que permaneciam acontecendo na maior parte do território. No período posterior, houve diversas tentativas de negociação a fim de estabelecer a paz, além de diversas investidas dos grupos rebeldes que desejavam manter controle sobre o país, constituindo um cenário marcado pela instabilidade política.
Gradualmente, um número cada vez mais expressivo de militares foi autorizado a compor a missão que, por sua vez, se tornou um caso de sucesso na instituição da paz, ressaltando a importância dos papéis de negociação e restituição dos direitos da população civil – em especial, dos grupos lesados da população. As contribuições da UNAMSIL abarcam o auxílio na realização de eleições nacionais e a reconstrução das forças policiais do país, além da reabilitação da estrutura governamental. Tais aspectos foram de extrema importância para assegurar a prestação de serviços para a população civil. O julgamento dos responsáveis pelos crimes de guerra cometidos durante o conflito também foi amplamente apoiado pela missão. Um dos acordos de paz mais conhecidos no processo de negociações foi o Acordo de Lomé (1999), que garantiu considerações importantes em questões humanitárias, de direitos humanos e socioeconômicas.
Apesar de seu sucesso, a missão não foi constantemente efetiva durante seu período de atuação. Em 2000, a organização quase entrou em colapso após sérios ataques da RUF, mas o protagonismo da UNAMSIL foi retomado e o diagnóstico resultou bastante positivo. Após o fim do conflito, a missão permaneceu ativa. Sob nova formação, o objetivo era auxiliar Serra Leoa em sua reconstrução política e econômica, dado o grau de instabilidade, fragilidade, criminalidade, conflitos comunitários e desemprego do país pós guerra civil, especialmente por parte dos jovens ex-combatentes que não tiveram a oportunidade de reintegração na sociedade.
Referências:
DA LUZ SCHERF E., MILINDRE GONZALEZ R. A Sociedade Civil Organizada e a Luta pelo Reconhecimento das Liberdades Fundamentais Durante os Processos de Negociação da Paz: Lições da Guerra Civil na Serra Leoa e do Acordo de Paz de Lomé, Revista Conjuntura Global, vol. 7, n. 2, 2018.
Peacekeeping. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/mission/past/unamsil/background.html> Acesso em 03 de dezembro.
SARKIN J. The Responsibility to Protect and Humanitarian Intervention in Africa, Global Responsibility to Protect, vol. 2, p. 371–387, 2010.