Crise no Sudão – Darfur

11 de outubro de 2021

Autoria de: Ussumane Embalo

Histórico de violações

A crise humanitária e a violência no Sudão ainda não terminaram. Este país africano pluricultural – com grande diversidade religiosa e étnica – nunca alcançou a estabilidade desde que se tornou independente, em 1956.  Até hoje, o país tem experimentado vários tipos de violências, incluindo crimes humanitários. Isso se dá, principalmente, devido ao surgimento de grupos armados com interesses diversos, que buscam participação nas estruturas de poder a fim de garantir suas preferências. Muitos desses grupos acusam o governo sudanês de negligenciar suas necessidades, justificando suas ações violentas. 

O Sudão tem sofrido ataques de grupos internos, mesmo durante o período do ex-presidente Omar Al-Bashir, que permaneceu no poder durante 30 anos e utilizou o aparato estatal sudanês para reprimir milícias étnicas e regionais que se manifestavam em busca de melhores condições de vida no país. Durante seu longo governo, o Sudão combateu com brutalidade grupos armados que queriam divisão igualitária dos recursos nacionais e poder. O ditador levou o Sudão a um colapso econômico e foi responsável por crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio, principalmente, durante o combate a grupos armados em Darfur, Cordofan do Sul e Nilo Azul. 

Estima-se que mais de 400 mil pessoas morreram na Guerra Civil do Sudão, e o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários afirma que, desde de janeiro de 2021, 225.685 foram forçadamente deslocadas. Os confrontos entre comunidades de Massalit e árabes próximas à cidade de Geneina, em Darfur Ocidental, resultaram em pelo menos 250 mortes e 100.000 deslocados. Entre 16 de fevereiro e 1 de maio de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) registrou 170 mortes nos novos confrontos em Darfur, incluindo 144 mortes no confronto de Geneina (GLOBALR2P, 2021).

A violência extrema e corrupção foram agravadas pela falta de responsabilização das forças governamentais acusadas de atrocidades. Foi neste cenário de grave crise que se intensificaram mobilizações e o fortalecimento de grupos de rebeldes no Sudão, em particular nas regiões de Darfur, Cordofan do Sul e Nilo Azul. Embora todos os grupos tivessem o objetivo comum de derrubada do governo sudanês, os meios utilizados foram diversos. Estes grupos também recorreram à violência para atingir seus objetivos, tais como homicídios, torturas, sequestros e estupro (CRISIS GROUP, 2021). 

As Forças de Segurança Nacional do Sudão perderam o controle do país, que passou a ter regiões dominadas pelos diversos grupos armados e influentes politicamente. Isto dificultou a construção de consensos e negociações de acordos de paz. Após tentativas malsucedidas  em outubro de 2020, grupos rebeldes e o governo de transição firmaram o Acordo de Paz de Juba, que consistia em uma coleção de acordos estabelecendo premissas para “abranger a divisão de poder e riqueza, reforma agrária, justiça de transição, medidas de segurança e o retorno de pessoas deslocadas” (CRISIS GROUP, 2021). 

Todavia, o Acordo de Juba deixou de fora dois grupos importantes: Exército de Libertação do Povo do Sudão / Movimento-Norte (SPLA / MN), liderado por Abdel Aziz al-Hilu, e o Exército de Libertação do Sudão / Movimento de Minni Minnawi (SLA / M-MM), liderado por Abdel Wahid al-Nur. O SPLA / MN opera em Cordofan do Sul e Nilo Azul, enquanto o SLA /M-MM mantém bases no centro de Darfur. A ausência dos dois movimentos no acordo ameaça seu cumprimento, pois os grupos têm capacidade de impor rupturas que podem impactar negativamente na sua implementação. 

Outra questão é a falta de condições financeiras do governo de transição para investir nas promessas do acordo, principalmente a de recompensar os grupos negligenciados. O Acordo de Juba impôs muitos desafios, especialmente relativos ao fortalecimento dos militares no poder, o que acentua a marginalização das esferas civis na reconstrução da governança sudanesa e ameaça a agenda de reformas e transição para a paz. 

Atuação internacional

A comunidade internacional, nomeadamente o Conselho de Segurança da ONU (CSNU), o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDHNU), a União Africana (UA) e a União Europeia (UE), juntamente com alguns países, como os Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, não ficaram indiferentes diante da grave situação sudanesa. 

Em 2004, o CSNU impôs um embargo de armas a Darfur e, em 2006, sancionou alguns indivíduos. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de prisão para os oficiais do governo, incluindo Al-Bashir, mas nenhuma prisão foi realizada. Em 2020, o CSNU aprovou a Resolução 2.524, que estabeleceu a United Nations Integrated Transition Assistance Mission in Sudan (UNITAMS) com duração até 2022. Além disso, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU intensificou os esforços para proteção e assistência aos deslocados internos e refugiados. 

De acordo com o Crisis Group, em janeiro de 2021 o congresso americano aprovou medidas para prover “maior apoio ao Sudão para o desenvolvimento, construção da paz, governança e crescimento econômico”. A UA, EU, Emirados Árabes e Arábia Saudita doaram recursos e mobilizaram parceiros para assistência dos cidadãos deslocados e residentes do Sudão. Após o Acordo de Juba, a ONU tem pressionado para a implementação do plano nacional sudanês de proteção dos civis e realizou, com a União Africana, uma ação híbrida na região de Darfur, com o objetivo de findar as violências na região, que se intensificaram no início de 2021.

Referências 

Acordo de paz histórico com o objetivo de encerrar o conflito em Darfur, Kordofan do Sul e Nilo Azul, assinado em 3 de outubro de 2020. Completa. Global Centre for the Responsibility to Protect, R2P.: Global Centre for the Responsibility to Protect, R2P., 2021. Disponível em: https://www.globalr2p.org/countries/sudan/. Acesso em: 7 out. 2021.

O Conselho de Direitos Humanos deve estender seu apoio e escrutínio do Sudão.  Completa. Global Centre for the Responsibility to Protect, R2P.: Global Centre for the Responsibility to Protect, R2P.., 7 out. 2021. Disponível em: https://www.globalr2p.org/publications/hrc48-sudan/. Acesso em: 7 out. 2021.

Os rebeldes chegam a Cartum: como implementar o novo acordo de paz do Sudão. Completa. Internacional Crisis Group: Crisis Group, 2021. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/horn-africa/sudan/b168-rebels-come-khartoum-how-implement-sudans-new-peace-agreement. Acesso em: 7 out. 2021.