20 de setembro de 2021
O conceito de fome como arma de guerra envolve justamente tais situações em que o fornecimento de alimentos para a população civil, muitas vezes refém dos conflitos, é utilizado como mecanismo de barganha e pressão tanto para com os opositores daqueles que interceptaram tal recurso quanto para o restante da população envolvida que, na esperança de conseguirem mantimentos, é coagida a cooperar ou não interferir nas ações praticadas pelas forças divergentes.
Para a ONU, fome é o termo utilizado quando a situação de uma população passa por grave insegurança alimentar, o que envolve, por exemplo, passar dias sem comer e escassez de acesso a alimentação de qualidade mínima devido a pobreza, questões ambientais, guerras, entre outros, de modo que a ajuda externa se torna essencial para a sobrevivência daqueles que assim se encontram.
Em 2020, o Programa Mundial de Alimentos (PMA), foi o ganhador do Prêmio Nobel da Paz devido ao seu esforço pelo combate à fome e esforço para socorrer aqueles em situação de insegurança alimentar. O trabalho do PMA se destaca nas regiões onde a ajuda humanitária é essencial no combate à fome, necessária por diversos motivos, inclusive nos casos onde o acesso a alimentos é restringido por forças combatentes em regiões onde há conflitos.
O uso da fome como arma de guerra foi criticado pelo Conselho de Segurança da ONU em 2018, tendo aprovado por unanimidade em março daquele ano a primeira resolução que reconhece a existência de uma ligação direta entre fome e conflitos, condenando o ato das forças em conflito promoverem a fome como um instrumento de suas disputas. Tal resolução foi elaborada a partir das constatações do PMA de que o crescimento da situação de insegurança alimentar, principalmente entre populações pobres e onde ocorrem conflitos armados, tem-se agravado e aumentado o risco de morte de civis, especialmente crianças.
Foi reportado que em locais como Síria, Iêmen, Somália e Sudão do Sul ocorre a interceptação de comboios humanitários destinados ao socorro às vítimas, assim como a destruição de lavouras e criações de animais para alimentação de famílias e comunidades, restrições a mercados e demais comércios de alimentos, entre outras ações vistas como estratégias de fragilização dos opositores e da população local. Estima-se que, em 2020, cerca de 10% da população global (cerca de 800 milhões de pessoas) se encontrava em situação de fome, sendo a maior parte dos grupos afetados situada na África.
4 países em que a fome é usada como arma de guerra
Ainda hoje, a restrição a alimentos e a condições favoráveis para o combate à fome é uma estratégia aplicada à populações civis em países que lidam com guerras e disputas. Apesar das denúncias largamente difundidas sobre os absurdos envolvendo tal prática que leva à miséria e à morte, principalmente de crianças, o uso da fome como arma de guerra é visto como mecanismo eficaz de pressão estratégica contra opositores e incentivadores de cooperação forçada dos grupos afetados. O Programa Mundial de Alimentos é um dos principais desenvolvedores de ações humanitárias para a promoção de condições mínimas de segurança alimentar com os quais milhões de pessoas no mundo dependem para que possam sobreviver às condições impostas por guerras.
- Iêmen
Desde 2017, os conflitos entre hutis – organizados no grupo rebelde Ansar Allah – e o governo nacional – apoiado pela Arábia Saudita – têm gerado consequências catastróficas na população do Iêmen. Além dos mortos em combate, a ONU estima que cerca de 47 mil pessoas estejam em níveis catastróficos de insegurança alimentar e mais de 16 milhões de iemenitas são hoje vítimas de escassez de alimentos, em condição de crise e emergência. Devido aos anos de conflitos que inviabilizaram o plantio e criação de animais em quantidade suficiente para a população, o acesso de grande parte da população a formas próprias de se alimentarem foi comprometido, sendo essa situação agravada pelo enfraquecimento econômico e comercial e outras consequências decorrentes da guerra, de modo que o acesso a auxílio médico e alimentar através de organizações como o Programa Mundial de Alimentos (PMA) é fundamental para salvar vidas, principalmente de crianças. Porém, não são poucas as denúncias internacionais, tanto contra as forças hutis, quanto contra as estratégias de intervenção sauditas devido aos bloqueios realizados à ajuda humanitária nos seus mais diversos campos, inclusive na distribuição de combustíveis necessários ao transporte de recursos e de assistência aos necessitados. Devido a essas intervenções estratégicas a mantimentos e cortes no financiamento de suas ações, o Programa Mundial de Alimentos, em abril de 2020, precisou cortar de sua programação a entrega de ajuda alimentar para 8 milhões de pessoas no norte do país.
2. Síria
A Síria já passava por conflitos e instabilidades desde 2000, enfrentando alto desemprego censuras, perseguições e corrupção. Com a morte do então presidente Hafez al-Assad e a sucessão do cargo para seu filho, Bashar al-Assad, o contexto piorou e entrou em momento crítico durante a Primavera Árabe, quando protestos e manifestações foram agressivamente reprimidos no país. Forças rebeldes armadas entraram em combate com as forças armadas sírias, afetando diretamente a população civil com violência e pobreza. Tanto as forças rebeldes, quanto do governo, ainda hoje – após mais de dez anos de guerra -, são denunciados pelo uso extensivo da restrição de alimentos como estratégia de guerra: já em 2016, Kyung-Wha Kang, então Secretária-geral assistente para Assuntos Humanitários, salientava que o bloqueio de acesso à ajuda humanitária, promovendo a fome e a violência, são crimes contra a humanidade. Atualmente, além do governo sírio e a oposição, percebe-se como atores o Estado Islâmico, os exércitos da Turquia e da Rússia e mais grupos. Estima-se que a Guerra da Síria tenha cerca de 450 mil mortos, 1,5 milhão de feridos, 7 milhões de refugiados e a população do país afetada em 80% pela fome e falta de água potável, evidenciando que a crise humanitária do país está mais grave do que nunca.
3. Somália
Independente do Reino Unido e da Itália desde 1960, e em guerra civil desde 1991, a Somália traz desde sua formação atual um longo histórico de disputas políticas e tensões envolvendo outros Estados, principalmente durante a Guerra Fria. A Somália foi considerada, em 2019, como o país com menor PIB per capita do mundo e tem sido alvo de preocupações mundiais devido tanto à sua longa crise humanitária, quanto à ação de piratas somali no ataque de navios que circundam a região do Chifre da África. Além de organizações internacionais, o país tem como parceiro estratégico a Turquia no financiamento de projetos estruturais e desenvolvimento de uma ainda frágil estabilidade política, e para lidar com as consequências de sua crise de longa data. Apesar desses esforços para a estabilização do país, são conhecidos os desafios que se impõem contra o combate à pobreza e à fome: além de secas prolongadas, o país ainda enfrenta guerras civis, movimentos contrários ao governo e restrições à ajuda humanitária, havendo a captura de recursos destinados à alimentação da população civil e outras estratégias de combate que utilizam a fome como arma de guerra para submeter os rivais e pressionar a população para que cooperem com as tropas dominantes nas regiões do país. Em 2020, com 60 anos de independência completos, o país ainda encontra-se longe de oferecer a seus habitantes condições mínimas de garantia de vida digna: ano passado foram registradas cerca de 800 mil pessoas em condição de fome no país e 7 milhões – metade da população do país – dependendo de ajuda humanitária.
4. Sudão do Sul
Declarações da ONU em 2020 expressavam a preocupação coletiva sobre as crises humanitárias no Sudão do Sul, que traz em seu território uma combinação infelizmente constante entre violência e fome. Assim como a Nigéria e o Iêmen, o país é um dos líderes do ranking de insegurança alimentar segundo o Programa Mundial de Alimentos. A organização não é a única que alerta sobre a urgência de ações combinadas para atender a população do país e as dificuldades impostas pelas forças locais para que a sociedade civil consiga acessar a ajuda humanitária enviada. O Sudão do Sul se encontra hoje com meios de subsistência quase esgotados e altos índices de desnutrição. Em 2019 já eram registrados 16 mil pessoas em situação de fome e havia a estimativa de que esses números iriam triplicar em 2020 para mais de 47 mil afetados, sendo a condição de insegurança alimentar vivida por 16,2 milhões de pessoas graças à guerra e às dificuldades impostas à ajuda humanitária. Apesar do governo do Sudão do Sul ter se comprometido internacionalmente através de acordos de paz, a insegurança do país ainda é muito alta, sendo os custos das operações de ajuda para a região uns dos mais altos da ONU (mais de um bilhão de dólares em 2019, atendendo cerca de cinco milhões de pessoas). Até agora, a estimativa é de que o país vá registrar aproximadamente 7 milhões de pessoas vítimas de insegurança alimentar e subnutrição aguda, dentre elas 1,4 milhões de crianças com menos de 5 anos.
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150123_huties_rebeldes_saudita_fn
https://www.rfi.fr/pt/mundo/20171029-fome-utilizada-como-arma-de-guerra-no-iemen
https://www.todamateria.com.br/guerra-na-siria/
https://veja.abril.com.br/mundo/somalia-tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-pais/
https://www.preparaenem.com/geografia/10-paises-mais-pobres-do-mundo.htm
https://news.un.org/pt/story/2019/12/1697701
https://www.istoedinheiro.com.br/forcas-sul-sudanesas-submetem-populacao-a-fome-denuncia-a-onu/