16 de agosto de 2021
Contexto local
Xinjiang é uma região que possui cerca de 14 milhões de habitantes, e é composta por uigures, kazakhs, kyrgyz e outras comunidades etnicamente turcas. Portanto, ao contrário da maioria chinesa (han) que fala mandarim, a população turca é de maioria muçulmana e tem sua própria língua. Essas minorias étnicas e religiosas são fortemente vigiadas e, de acordo com denúncias reportadas a organizações internacionais, alvo de repressões e tentativas de apagamento cultural, em um esforço sistemático para que, em lugar das práticas culturais tradicionais, os valores e expressões partidário-nacionalistas chineses sejam vivenciados.
As evidências de tais violações aos direitos humanos, justificados pelo governo chinês como parte da guerra à ameaça de terrorismo e extremismo religioso, são baseadas em testemunhos e materiais, como imagens de satélite, que fundamentam as denúncias trazidas por organizações internacionais, destacando-se a Human Rights Watch (HRW). Uma das denúncias mais contundentes veio de um conjunto de documentos internos disponibilizados por um integrante anônimo da alta burocracia estatal chinesa ao New York Times e que revelam uma série de detalhes sobre o processo de desenvolvimento e implementação do plano de prisão em massa que tornou cativos milhares de uigures e outras minorias em Xinjiang em chamados “centros de reeducação”. Os documentos consultados alegam que o governo tinha conhecimento das experiências vivenciadas nesses centros. Esta iniciativa, conforme consta, não foi completamente aprovada pelos funcionários do governo envolvidos, mas os objetivos de cooptação e combate às divergências que tais minorias poderiam apresentar eram prioridade.
As perseguições teriam se intensificado, de modo geral, a partir de 2014, quando o governo chinês anunciou maior rigor em sua campanha – intitulada “Strike Hard” – após atentados terroristas terem ocorrido no país. Além da vigilância contra iniciativas terroristas, o governo chinês tem como alvo de suas ações as minorias de Xinjiang, por perceber nelas um “desvio” daquilo visto como ideal pelo Partido: é severamente aconselhado que seus habitantes expressem sua gratidão ao governo para os visitantes que frequentam a região, que restrinjam ao máximo expressões públicas de religiosidade e até mesmo que não utilizem barbas, véus ou outros elementos no vestuário que possam destoar em demasia do restante do país; caso contrário, corre-se o risco de serem direcionados aos campos de reeducação. Nesses lugares, é obrigatório o aprendizado do mandarim e a expressão do respeito aos símbolos nacionais diariamente, sob risco de punições em casos de desobediência. Sua expansão por Xinjiang acelerou-se a partir de agosto de 2016 com a nomeação de Chen Quanguo como chefe do partido na região, que deu carta branca para que fossem presos quaisquer suspeitos de oposição à ordem e aos valores do partido, algo que se tornou um claro sinal de vigilância e repressão a expressões que fujam da norma imposta.
O esforço do governo de que ocorra uma adequação das práticas religiosas e culturais tradicionais de Xinjiang ao “socialismo com características chinesas” é tratado como assunto interno e parte do processo de desenvolvimento nacional vistos enquanto legítimos em seus atos, sendo denúncias como as apresentadas pela ONU em 2018 classificadas como exagero absurdo e como parte de uma série de tentativas estrangeiras de combater a China em seu progresso e autonomia.
Atrocidades
Cerca de 1 milhão de uigures e outras minorias muçulmanas foram detidas em campos de reeducação, locais nos quais não recebem um julgamento formal, com um devido processo e sentenças estabelecidas. Com dados divulgados em 2020, de acordo com Instituto Australiano de Política Estratégica, cerca de 380 novos campos de reeducação foram construídos ou expandidos desde 2017. Ademais, o Instituto também reportou que mais de 80 mil uigures estão trabalhando sob condições análogas ao trabalho forçado, pois muitos foram transferidos de campos de reeducação para fábricas. Outros resultados identificaram 135 campos de detenção em Xinjiang que possuem fábricas embutidas, onde detentos são forçados a trabalhar. Essas fábricas são parte de uma rede de suprimentos que supostamente forneceria bens para 82 marcas globais. Esses recursos são principalmente algodão e polisicoline (usado na indústria de painéis solares), que representam porcentagens do fluxo de importação global.
Além disso, em 2 de fevereiro de 2021, a BBC reportou estupros, abusos sexuais e tortura em massa nesses locais. Estima-se que 250.000 crianças menores de 15 anos, em Xinjiang, tenham perdido pelo menos um dos pais para um campo de reeducação. Essas crianças terminam em orfanatos estatais ou internatos (Global R2P).
O governo chinês também está conduzindo uma campanha para reduzir a natalidade entre uigures e outras minorias muçulmanas em Xinjiang. Segundo investigações, a campanha coercitiva inclui abortos forçados e esterelizações. Estatísticas do governo chinês mostram que a taxa de natalidade em Xinjiang em 2020 foi de 8,14 nascimentos a cada 1.000 pessoas, quase metade do número atingido em 2017. Autoridades chinesas também iniciaram uma destruição sistemática dessa população, demolindo santuários, cemitérios e locais de devoção sagrados; 16.000 mesquitas foram destruídas ou danificadas como resultado das ações do governo. Tudo isso como uma tentativa de aniquilação da população.
A perseguição sistemática de uigures e outras minorias muçulmanas, devido à religião, cultura, etnia e gênero, bem como o programa de detenção em larga escala, abuso de detidos, esterilização forçada e não liberar informações sobre as pessoas sob custódia em Xinjiang, podem constituir como crimes contra a humanidade, segundo o Estatuto de Roma no Tribunal Penal Internacional. Além disso, a China também é acusada de genocídio, devido a desrespeitos ao Artigo II da Convenção do Genocídio, onde recrimina a prevenção imposta de natalidade para um grupo, debilitações das condições de vida de um grupo para lhe causar danos físicos e a transferência forçada de um grupo para outro.
Atuação Internacional
Pela comunidade internacional, especialmente a ONU, há uma grande mobilização para a criação de um mecanismo independente que monitore as alegações de violações aos direitos humanos em Xinjiang, principalmente nos casos de desaparecimentos e prisões arbitrárias. Uma alternativa sugerida por experts independentes da ONU foi a proibição do reabastecimento de suprimentos advindos de Xinjiang. Entretanto, até o momento, a China responde às acusações e pedidos de investigação com declarações assinadas por outros países, cujo conteúdo justifica as medidas tomadas em Xinjiang sob os preceitos do combate ao terrorismo e desradicalização
Em Janeiro de 2021, países como EUA, Canadá e Reino Unido estabeleceram medidas para proibir a importação de produtos de trabalho forçado em Xinjiang, devido às violações aos direitos humanos. No mesmo mês, os EUA se tornou o primeiro governo a acusar formalmente a China de cometer genocídio e crimes contra a humanidade contra os uigures e minorias muçulmanas. Desde então, os parlamentos do Canadá, Lituânia, Holanda e Reino Unido também reconheceram a situação em Xinjiang como genocídio
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Artigos utilizados
Al Jazeera. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2021/7/8/uighurs-timeline>,
Al Jazeera. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2021/7/8/uk-government-urged-to-hold-china-to-account-over-uighurs?sf147250205=1>.
BBC. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-asia-china-22278037>.
G1. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/em-acao-coordenada-europa-reino-unido-canada-eua-anunciam-sancoes-contra-china-pequim-retalia-24936303>.
G1. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/o-globo-em-xinjiang-acusada-de-crimes-contra-humanidade-china-lanca-ofensiva-para-conter-danos-sua-imagem-2-25030331>.
G1. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/repressao-prisoes-abuso-de-poder-historia-secreta-dos-centros-de-reeducacao-na-china-24085516>.
Global Centre for the Responsibility to Protect. China. Disponível em: <https://www.globalr2p.org/countries/china/>.
Humans Right Watch. Disponível em: <https://www.hrw.org/news/2021/04/19/china-crimes-against-humanity-xinjiang>.
Humans Right Watch. Disponível em: <https://www.hrw.org/report/2021/04/19/break-their-lineage-break-their-roots/chinas-crimes-against-humanity-targeting>