Golpe Militar e crimes contra a humanidade em Mianmar

24 de maio de 2021

Circunstâncias históricas 

Mianmar é um país no sudeste asiático com predominância budista, composto por 54 milhões de habitantes. É cercado por países como China, Índia, Tailândia e Bangladesh, e é ex-colônia inglesa, tornando-se independente em 1948. O País foi governado por suas forças armadas, conhecidas por Tatmadaw, entre os anos de 1962 a 2011. Período em que não somente ocorreu violenta repressão aos movimentos à favor da democracia, como também foram iniciadas guerras contra alguns grupos étnicos armados.

  Apesar da transição democrática em 2011, os militares mantiveram o comando em ministérios importantes. Eles controlavam 25% dos assentos no parlamento e grande parte de setores na economia. Ou seja, ainda que o partido Liga Nacional pela Democracia, representado pela ex-presidente Aung San Suu Kyi, tenha sido democraticamente eleito, o Tatmadaw permaneceu com relativo controle e, por isso, continuou a cometer atrocidades.

Dentre os grupos étnicos que os militares tiveram como alvo, estão os Ruaingas (ou, em inglês, Rohingya). Esses afirmam-se povos originários do Estado de Rakhine (Oeste de Mianmar), enquanto outras fontes os descrevem como povos muçulmanos originários de Bangladesh que migraram para Mianmar durante a ocupação britânica.

O povo, reconhecido pela comunidade internacional como apátridas, têm a nacionalidade negada por Mianmar. Isso ocorre desde 1982, período da promulgação da Lei de Cidadania que não os reconhece como uma das 135 minorias étnicas do país. Por conta disso, são alienados de todos os direitos civis. Não possuem terras, não podem se casar e são, também, proibidos de viajar sem permissão das autoridades.

Embora sua origem seja debatida, o que pode ser afirmado é que esse é um dos povos mais perseguidos do mundo. A repressão a esse grupo foi, juntamente com parte do poder dos militares, um traço político mantido após a transição democrática. Em 2012, houve duas ondas de violência perpetradas por grupos extremistas de maioria budista Rakhine. A limpeza étnica e genocídio praticados deixaram cerca de 140 mil mortos, 100 mil desabrigados e cerca de 1.1 milhão de Ruaingas refugiados em Bagladesh, principal rota de fuga para eles. O fato de tecnicamente não serem cidadãos birmaneses – em referência a Birmânia, outro nome para Mianmar – fez com que o governo acreditasse ser justificável manter-se em silêncio perante as atrocidades cometidas.

Crise atual

Nas últimas eleições, em novembro de 2020, Aung San Suu Kyi, do partido Liga Nacional pela Democracia (NLD, na sigla em inglês), saiu vencedora. Ela ganhou visibilidade no mundo inteiro por fazer campanha pela instauração de uma democracia no país na década de 1990 e ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991, enquanto estava presa, situação em que permaneceu de 1989 a 2010. Ela já havia ganhado eleições antes com o mesmo partido, em 2015. De lá até aqui, Suu Kyi já sofreu diversas acusações de não intervir em violência sistemática ao povo Ruainga.

A situação do país agora é mais complicada: logo antes do novo governo eleito tomar posse, Mianmar sofreu um golpe militar em 1º de fevereiro, liderado pelo General Min Aung Hlaing, que apoiou a oposição do NLD nas eleições e alega fraudes eleitorais. O golpe deflagrou um estado de emergência em Mianmar sob liderança das Forças Armadas por um ano.

Em 2018, as Forças Armadas do país já haviam sido investigadas por cometer crimes contra humanidade, genocído e crimes de guerra em alguns estados ao redor do país. Desde o golpe em fevereiro de 2021, cerca de 3843 pessoas foram presas (Suu Kyi está, atualmente, presa em local desconhecido pela imprensa e civis) e 781 pessoas já foram mortas, dentre elas, 52 crianças. A imprensa também tem sido ativamente atacada e impactada com restrições à internet e banimento de canais estrangeiros no país. Em 16 de maio, o exército invadiu e tomou a cidade de Mindat, território que instaurou uma espécie de administração própria ao negar o reconhecimento do golpe, e onde havia grupos civis armados em oposição ao regime. Especula-se que depois da tomada da cidade, vários civis tenham ido para dentro das florestas para fugir  dos soldados.  Em 21 de maio, o partido NLD foi dissolvido pela comissão eleitoral controlada pela Junta Militar que lidera o país, e seus líderes estão sendo perseguidos por traição ao país. A própria Suu Kyi será julgada pelo tribunal superior de Mianmar por violar a Lei dos Segredos Oficiais.

Há vários registros das pessoas nas ruas pedindo pela intervenção internacional com o R2P em Mianmar. Isso se dá porque a população entende que há violações de direitos humanos ocorrendo mesmo antes do golpe, mas agora, além da continuidade de crimes e atrocidades massivas, também há atenção internacional constante. 

De acordo com o Global R2P, as forças armadas têm usado, imprudentemente, gás lacrimogêneo, balas de borracha, canhões de água, granadas de atordoamento e munição real contra protestantes. Ataques noturnos a casas de ativistas, assim como surras e prisões arbitrárias, têm se tornado frequentes. 

Atuação Internacional

Em novembro de 2017, o Conselho de Segurança da ONU emitiu, como única resposta formal, uma declaração presidencial em relação ao genocídio de refugiados Ruainga. Contudo, o mecanismo não é vinculativo, visto que é emitido em termos de falta de consenso no Conselho. 

A população reagiu com uma série de protestos, que no dia 11 de maio completaram 100 dias de constante atividade. A comunidade internacional reagiu com sanções econômicas dos EUA, Reino Unido e da União Europeia. O Conselho de Segurança da ONU já foi acionado por alegações de crimes internacionais sendo cometidos, como censura e crimes contra a humanidade, mas a China, membro do Conselho, bloqueou a condenação do país nesse âmbito. Em março de 2021, uma declaração presidencial foi emitida sobre o golpe. Apesar disso, o Estado chinês se posicionou contra a prisão de Suu Kyi e a favor da volta de um regime democrático.

Referências

Agência Brasil. Myanmar: Comissão Eleitoral dissolve partido da líder deposta. Disponível em:

<https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-05/myanmar-comissao-eleitoral-dissolve-partido-da-lider-deposta>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

BBC. Myanmar coup: What is happening and why?. Disponível em:

<https://www.bbc.com/news/world-asia-55902070>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

BBC Brasil. Quem são os rohingyas, povo muçulmano que a ONU diz ser alvo de limpeza étnica. Disponível em: 

<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41257869>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

Global Centre for the Responsibility to Protect. Myanmar (Burma). Disponível em:

<https://www.globalr2p.org/countries/myanmar-burma/>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

International Commission of Jurists. Myanmar: Security forces’ killings of protesters should be investigated as crimes against humanity.

<https://www.icj.org/myanmar-security-forces-killings-of-protesters-should-be-investigated-as-crimes-against-humanity/>. Acesso em 20 de maio de 2021.

Reuters. Myanmar marks 100 days of junta rule with protests, strikes. Disponível em:

<https://www.reuters.com/world/asia-pacific/myanmar-marks-100-days-junta-rule-with-protests-2021-05-11/>. Acesso em: 20 de maio de 2021.

The Economist. Myanmar’s shame. Disponível em: 

<https://www.economist.com/asia/2015/05/21/myanmars-shame>. Acesso em: 20 de maio de 2021.
Foto: Asia Times. The case for a US missile strike on Myanmar. Disponível em: <https://asiatimes.com/2021/04/the-case-for-a-us-missile-strike-on-myanmar/>. Acesso em: 23 de maio de 2021