Eixos

Apresentações sobre os eixos em que o aSIDH desenvolve seus trabalhos.

Povo Xukuru do Ororubá

Historicamente, a situação da terra indígena do Povo Xukuru e a falta de demarcação do território, localizado no município de Pesqueira, agreste pernambucano, bem como as constantes violações ao direito à posse coletiva e o exercício pacífico ao direito aos territórios tradicionais, foram objetos de discussões contemporâneas no judiciário brasileiro.

Para exemplificar, é imperioso destacar a Ação de Reintegração de Posse impetrada, em março de 1992, por Milton do Rego Barros Didier e sua esposa Maria Edite Didier, sobre a numeração 0002697-28.1992.4.05.8300 (número original 92.0002697-4), em detrimento do Povo Indígena Xukuru e dos litisconsortes passivos, o Ministério Público Federal (MPF), a Fundação Nacional do Índio (doravante FUNAI) e a União, objetivando a posse do imóvel rural “Fazenda Caípe”, com aproximadamente 300 (trezentos) hectares, localizado no município de Pesqueira, ocupada por aproximadamente 350 (trezentos e cinquenta) indígenas da Comunidade Xukuru, após processo de retomada.

Em virtude da não resolução e dos conflitos gerados por essa e outras demandas atinentes ao território, o caso foi para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante Corte IDH), através dos peticionários Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Nordeste, Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares (GAJOP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Em 21 de fevereiro de 2017, os representantes informaram que a organização Justiça Global atuaria como copeticionária.

Por sua vez, o Tribunal Internacional pronunciou a sentença no dia 5 de fevereiro de 2018, a qual afirmou que o Brasil é responsável: pela violação do direito à garantia judicial de prazo razoável, previsto no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante CADH), em detrimento do Povo Indígena Xukuru, nos termos dos parágrafos 130 a 149 do ato decisório. Além disso, de acordo com a Corte IDH, o Estado também foi responsável pela violação do direito à proteção judicial, bem como do direito à propriedade coletiva, previsto nos artigos 2 e 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos termos dos parágrafos 150 a 162 da sentença (Corte IDH, 2018, p. 38 – 41).

Proferida a sentença, a Corte IDH passa a realizar a supervisão de seu cumprimento. No que tange ao caso do povo Xukuru, tem-se que a Resolução de Supervisão, datada de 22 de novembro de 2019, observou que apenas as medidas de publicação e difusão foram integralmente cumpridas, visto que o resumo da sentença foi publicado no diário oficial da União nº 177, relativo ao dia 13 de setembro de 2018, e em sua íntegra em alguns dos principais sites do governo federal, como o do Ministério das Relações Exteriores e no do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (Corte IDH, 2019, p. 03-04)


Porém, a Corte IDH pontuou que continuará supervisionando o cumprimento das medidas de reparação que dizem respeito a:

a) garantir imediata e efetivamente o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território, para que não sofram nenhuma intrusão, interferência ou afetação por terceiros ou agentes do Estado que possam prejudicar a existência, valor, uso ou o gozo de seu território (oitavo parágrafo da Sentença);

b) concluir o processo de desintrusão do território indígena de Xucuru, com extrema diligência, para efetuar pagamentos de compensação por melhorias pendentes de boa fé e remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência no território em questão, a fim de garantir controle total e eficaz do Povo Xucuru em seu território dentro de um período não superior a 18 meses (nono parágrafo da Sentença);

c) pagar o valor fixado para indenização por danos não-pecuniários (parágrafo dispositivo onze da Sentença);

d) pagar o valor fixado para custas (parágrafo onze da Sentença)

(Corte IDH, 2019, p. 06).

Sobre o ponto ‘’C’’ acima, vale ressaltar que a Corte IDH na sentença internacional aqui comentada arbitrou o montante de US$1.000.000,00 (um milhão de dólares dos Estados Unidos da América), como compensação pelo dano imaterial imposto aos membros do Povo Indígena, para a constituição de um fundo de desenvolvimento comunitário, o qual será administrado pelos próprios membros do povo Xukuru, e atuará em função daquilo que eles enxergarem como benéfico para o território indígena e seus integrantes. A priori, o Estado brasileiro teria 18 meses para criar esse fundo, contados a partir de fevereiro de 2018, data da sentença da Corte IDH. Tem-se que, felizmente, e através de muita mobilização e pressão por parte dos membros dessa comunidade indígena, a indenização foi finalmente paga em fevereiro de 2020 à Associação Xukuru, a qual ‘’deverá prestar contas anualmente sobre o empenho deste recurso de acordo com a execução do Plano de Atividades para a Utilização dos Recursos do Fundo de Desenvolvimento Comunitário’’ (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – CIMI, 2020).

Também é importante mencionar que este pagamento foi feito diretamente na conta da Associação Xukuru, através de um Acordo de Cumprimento de Sentença assinado pela Ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos. Esse foi um feito inédito que representa a autonomia dos povos originários e que foi capaz de contrariar a visão da Advocacia Geral da União, que em seu parecer nº 00194/2018/PGU/AGU, defendia que a criação de uma lei nos moldes do art. 167 da Constituição Federal para a realização efetiva da indenização.

Projeto sobre Sistemas de Justiça Tradicionais

Pesquisa iniciada em 2022 no contexto do aSIDH. Tem natureza científica e relaciona-se diretamente com o tema História, Memória e Patrimônio da população indígena em contextos rurais e urbanos do estado de Pernambuco. Alinha-se à consolidação da produção científica no âmbito do campo temático sobre políticas transculturais e, em particular, das relações étnico-raciais e cultura indígena, em suas diferentes perspectivas. Seu objetivo central é criar um registro formal dos sistemas de justiça tradicionais de povos indígenas organizados no estado de Pernambuco. De maneira mais ampla, contribui para a consolidação do estado democrático de direito sob uma matiz pluricultural. Ao mapear sistemas de justiça frequentemente caracterizados pela informalidade e pela tradição oral, apoia diretamente o resguardo da memória e o legado histórico-cultural de povos tradicionais do estado. Mais importante, por meio do esclarecimento sobre o funcionamento e racionalidade desses sistemas de justiça, cumpre um papel essencial na inclusão de povos indígenas e na diminuição de preconceito e desigualdades étnico-raciais, sobretudo no que concerne ao acesso à justiça e ao bom funcionamento do judiciário.