Mãos que suplantam as máquinas: #tecnologia #descolonização e #território

por Andi Almeida | andi.almeida@ufpe.br

O colonialismo digital (Faustino e Lippold, 2023) se sustenta não como uma metáfora, mas como uma articulação da nova repartição do mundo, dos desdobramentos do racismo e das formas atualizadas dos extrativismos psíquico, ambiental e laboral. As plataformas proprietárias agrupadas no Vale do Silício, EUA, controlam um enorme fluxo de dados (logo, de capital) produzidos por países como o Brasil, que fica cada vez mais dependente de suas interfaces, sendo o país que supera o consumo em redes sociais em até quatro vezes mais em relação ao resto do mundo.[^1]

Com o objetivo de avançarmos na questão da descolonização da tecnologia, é inescapável fazermos uma crítica anticolonial da noção de tecnologia, a partir da encruzilhada dos saberes ancestrais de populações negras em diáspora, quilombolas e indígenas para demonstrar que é possível mirarmos um horizonte tecnológico mais democrático e sustentável, baseado em equidade racial, de gênero e justiça climática. A era digital com seus bits e bytes nos conduz a uma percepção binária da tecnologia. Desse modo, faz-se necessário questionar o sentido único da técnica ocidental que, ao se apropriar do conhecimento humano genérico universal, vem investindo bilhões de reais[^2] para desenvolver tecnologias que atualizam a dinâmica da colonização dos nossos territórios e mentes.

Em contrapartida, é lançando um novo olhar para territorialidades do Sul Global que podemos perceber uma tecnodiversidade. Esse olhar não busca negar as contribuições da tecnologia digital em direção a uma ‘tecnofobia’, ou ao resgate de um passado cristalizado; do contrário, busca fazer uma análise sistemática de uma “tecnologia artesanal” que emerge a partir de epistemologias não-canônicas para então confluir com as reflexões acerca da descolonização da tecnologia digital.

Ora, se há um colonialismo digital que opera nos extrativismos para obtenção de lucro, para dominação geopolítica dos territórios, sem responsabilidade do impacto no meio ambiente, etc., é necessário que haja um projeto político e ético que discuta os efeitos desse fenômeno. Porém, mais do que isso, é necessário propor um outro modo de perceber a tecnologia e, assim, um outro modo de consumir as tecnologias digitais. Para tanto, algumas perguntas são fundamentais: quais são os limites de uma descolonização da tecnologia? De que maneira os saberes da ancestralidade afro-indígenas contribuem nesse processo de descolonização? Como a noção de uma tecnodiversidade pode colaborar com a nossa compreensão das Inteligências Artificiais?

Palavras-chave
Tecnologia; Descolonização; Território; Justiça climática; Instagram

Bibliografia geral

Bispo dos Santos, Antônio. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, 2023.

___. Quilombos, modos e significados. Teresina: Editora COMEPI, 2007.

Brock, André. Análise Crítica Tecnocultural do Discurso. In: Comunidades, algoritmos e ativismos digitais: olhares afrodiaspóricos. Org: Tarcízio Silva. 1 ed. São Paulo: Editora Literarua, 2019, p. 64 a 85.

Crawford, Kate; Joler, Vladan. Anatomy of an AI System: The Amazon Echo As An Anatomical Map of Human Labor, Data and Planetary Resources. AI Now Institute and Share Lab. 7 set. 2018. Disponível em: <https://anatomyof.ai>. Acesso em: 20 maio. 2024.

Fanon, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

Faustino, Deivison; Lippold, Walter. Colonialismo Digital: por uma crítica hacker-fanoniana. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2023.

Faustino, Deivison. A “interdição do reconhecimento” em Frantz Fanon: a negação colonial, a dialética hegeliana e a apropriação calibanizada dos cânones ocidentais. Revista de Filosofia Aurora, v. 33, n. 59, 31 ago. 2021.

Han, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Editors Âyiné, 2020.

Krenak, Ailton. Futuro Ancestral. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

Maldonado-Torres, Nelson. Transdisciplinaridade e decolonialidade. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 75–97, abr. 2016.

Pavanini, Marco. Cosmotechnics from an anthropotechnological perspective. Angelaki, v. 25, n. 4, p. 26–38, 3 jul. 2020. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/0969725X.2020.1790833?needAccess=true>.

Rufino, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editoral, 2019.

Silveira, Sérgio Amadeu da. A hipótese do colonialismo de dados e o neoliberalismo. Orgs: Cassino, João Francisco. Colonialismo de Dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal. 1 ed. Autonomia Literária, 2021, p. 26 a 33.

Hui, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

[^1]: Brasil é o país que mais manda áudio e figurinhas no WhatsApp. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/brasileiros-sao-os-que-mais-enviam-audios-e-figurinhas-no-whatsapp-diz-mark-zuckerberg/

[^2]: Segundo o relatório AI Index Report de 2024, a Open IA investiu inicialmente cerca de R$ 400 milhões no desenvolvimento do ChatGPT, enquanto o Gemini Ultra, do Google, custou cerca de R$ 1 bilhão. Disponível em: https://aiindex.stanford.edu/report/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *